14 julho, 2011
0 O coração do Salvo e do Ímpio está nas mãos de Deus - Calvino (1509-1564)
Aquilo
que Salomão diz a respeito do coração do rei, isto é, que está na mão do Senhor
que o dirige para onde quiser, é igualmente verdadeiro acerca dos corações de
todos os homens. Até os conceitos de nossas mentes são dirigidos pelo poder
sigiloso de Deus para cumprir Seus propósitos. Nada pode comprovar isto mais
claramente do que o fato de que Deus tão freqüentemente nos diz que cega as
mentes dos homens, aflige-os com delírio, derrama sobre eles o espírito do
sono, fere-os com loucura, endurece seus corações. (Ver Rom. 1:26 e 11:8).
Muitos,
conforme dissemos, atribuem todas estas declarações à "vontade permissiva
de Deus" mas esta solução não me parece sábia, visto que o Espírito Santo
expressamente declara que a cegueira e a loucura são infligidas sobre os ímpios
pelo reto juízo de Deus.
Até
este ponto tenho apenas exposto o que é aberta e claramente ensinado nas
Escrituras; portanto considerem que tipo de censura tomam sobre si todos
aqueles que estigmatizam os oráculos sagrados com difamação. Se disserem,
"Tais coisas estão além do nosso conhecimento, e queremos crédito pela
nossa modéstia em deixá-las como estão", eu respondo: "O que pode ser
mais arrogante do que falar uma única sílaba contra a autoridade de Deus, e
dizer: "Eu penso de modo diferente", ou "É melhor não tocar em
tais doutrinas?" Semelhante arrogância não é novidade; pois em todos os
tempos houveram homens ímpios, sem Deus, que têm atacado esta verdade como cães
furiosos. Tais insolentes descobrirão que as palavras de Davi são verídicas,
que Deus "será tido por justo... no seu julgar" (Sal. 51:4).
Tem-se
argumentado que, se nada acontece senão segundo a vontade de Deus, então Ele
deve ter duas vontades contrárias, pois secretamente decreta o que na Sua lei
abertamente proíbe. É fácil desmascarar esta falácia, mas antes de fazer isso,
deixem-me lembrar aos meus leitores que se trata de uma cavilação contra o
Espírito Santo e não contra mim; pois o Espírito Santo certamente ensinou a Jó
a dizer: "O Senhor o tomou", quando salteadores o despojaram dos seus
bens. Está escrito também que os filhos de Eli não obedeciam a seu pai, porque
o Senhor resolvera matá-los (1 Sam. 2:25).
Assim
também, em tempos posteriores, a Igreja diz que Herodes e Pilatos conspiraram
juntos para fazerem o que a mão de Deus e o Seu propósito predeterminaram (At.
4:27-28). Realmente, se Cristo não tivesse sido crucificado pelo desígnio de
Deus, como poderíamos ter obtido a redenção?
O
fato é que Deus não está em desacordo com Si mesmo, nem sofre mudança Sua
vontade, nem finge que não deseja as coisas que deseja. Sua vontade é una e
indivisa, mas parece-nos, por causa da fraqueza do nosso entendimento, que está
em desacordo com ela mesma. Sobre este assunto Agostinho tem uma declaração com
a qual todas as pessoas piedosas concordarão: "Alguns homens têm bons
desejos que não estão de acordo com a vontade de Deus, e outros têm maus
desejos que estão de acordo com a vontade de Deus. Por exemplo, um bom filho
pode corretamente desejar que seu pai viva, ao passo que é a vontade de Deus
que morra; e um mau filho pode maldosamente desejar que seu pai morra, quando é
também a vontade de Deus que o pai morra. E mesmo assim, o filho piedoso agrada
a Deus ao desejar aquilo que não é da vontade de Deus; enquanto o filho ímpio
desagrada a Deus ao desejar aquilo que é da vontade de Deus." Deus às
vezes cumpre Seus propósitos justos mediante os maus propósitos dos ímpios. O
mesmo escritor (Agostinho) diz que os anjos apóstatas e todos os ímpios, no que
lhes dizia respeito, fizeram aquilo que era contrário à vontade de Deus; mas,
quanto à Sua onipotência, era impossível para eles fazerem qualquer coisa
contra a Sua vontade; pois, enquanto agem em oposição à vontade de Deus, ela é
cumprida por eles. Acrescenta que um Deus bom não permitiria que o mal fosse
feito, a não ser que um Deus onipotente pudesse transformá-lo em bem.
Uma
resposta semelhante pode ser dada a outra objeção que tem sido feita contra a
verdade que agora estamos considerando. A objeção é a seguinte: Se Deus não
somente emprega a instrumentalidade dos ímpios, como também governa seus planos
e paixões, porventura não seria Ele o autor de todos os seus crimes? E quanto
aos homens que estão sujeitos à Sua vontade, não estariam injustamente
condenados por cumprirem Seus decretos? Este falso raciocínio confunde a
vontade de Deus com Seu mandamento, embora fique evidente por muitos exemplos
que há uma diferença muito grande entre eles. Foi a vontade de Deus que o
adultério de Davi fosse vingado pela imoralidade de Absalão (com as concubinas
do seu pai); mas não se segue que Deus ordenou a Absalão cometer tal ato
incestuoso; a não ser que possamos falar assim a respeito de Davi, da mesma
maneira que ele fala das maldições de Simei. Quando o rei disse:
"Deixai-o, que amaldiçoe, pois o Senhor lhe ordenou" (2 Sam. 16:11),
de modo algum recomendava Simei por sua obediência a Deus; mas, reconhecendo
que a língua maligna daquele homem era o flagelo de Deus, submeteu-se
pacientemente a ser castigado por ela. Devemos apegar-nos firmemente ao
princípio de que os ímpios, por cujo intermédio Deus realiza os Seus justos
julgamentos e decretos, não devem ser considerados inculpáveis como se tivessem
obedecido ao Seu mandamento, mandamento este que atrevida e deliberadamente
quebram.
É
sábio abraçarmos com mansidão e humildade tudo quanto é ensinado nas Sagradas
Escrituras. Aqueles que têm a insolência de difamar suas doutrinas soltam suas
línguas contra Deus e não são dignos de mais refutação.

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