31 dezembro, 2010
0 Chamados com Santa Vocação – João Calvino
2
Timóteo 1.9,10.
Que
nos salvou. Pela visão da grandeza da bênção, o apóstolo
demonstra o quanto devemos a Deus, porque a salvação que ele nos outorgou
facilmente absorve todos os males que suportamos neste mundo. O termo,
'salvou', ainda que seu significado seja de caráter geral, aqui, neste contexto,
refere-se somente à salvação eterna. Seu significado consiste em que não haviam
recebido através de Cristo nenhum livramento passageiro e transitório, e, sim,
uma salvação eterna, e desse modo se revelariam extremamente ingratos, caso
valorizassem sua vida fugaz, ou sua reputação, em vez de reconhecê-lo como seu
Redentor.
E
nos chamou com santa vocação. Ele faz de nossa vocação o
selo infalível de nossa salvação. Pois como a salvação foi consumada na morte
de Cristo, assim Deus nos faz partícipes dela através de Cristo. Para
magnificar essa vocação ainda mais, ele a qualifica de santa. Tal fato deve ser
cuidadosamente observado, pois assim como temos de buscar a salvação
exclusivamente em Cristo, ele também teria morrido em vão e a troco de nada
caso não nos chamasse para participarmos desta graça. Portanto, mesmo depois de
haver, com sua morte, nos granjeado a salvação, uma segunda bênção resta ser
outorgada, a saber: que ele nos uniria em seu Corpo e nos comunicaria seus
benefícios a fim de desfrutarmo-los.
Não
segundo nossas obras. Ele agora chama a atenção para a fonte, quer de
nossa vocação, quer de nossa salvação total. Não possuímos obras que sejam
capazes de tomar a iniciativa em lugar de Deus, de modo que a nossa salvação
depende absolutamente de seu gracioso propósito e eleição. Em ambos os termos -
'propósito' e 'graça' - há uma hipálage (* Hipálage: "Figura de linguagem
em que se dá realce a um determinante, associando-o a um termo que não é,
logicamente, o seu correspondente detemiinado, assim se criando um sintagma
inesperado. Ex.: 'o mistério hebreu das vozes dos profetas' (Guimarães,
Poesias, 316), em vez de -o mistério das vozes dos profetas hebreus." -J.
Mattoso Câmara Jr., Dicionário de Lingüística egramática, p. 137; 1977, Editora
Vozes Ltda. [Nota do tradutor].), de modo que o segundo termo é considerado um
adjetivo - "segundo o seu gracioso propósito". Ainda que Paulo
geralmente use o termo 'propósito' no sentido de "o decreto secreto de
Deus", o qual depende exclusivamente dele, o apóstolo, aqui, decide
adicionar 'graça' com o fim de tornar sua tese ainda mais explícita e poder
excluir completamente toda e qualquer referência às obras. A antítese, neste
versículo, por si só é suficiente para deixar completamente claro que não há
espaço algum para as obras onde reina a graça de Deus, especialmente quando
somos lembrados da eleição divina, através da qual ele antecipou eleger-nos
antes que viéssemos à existência. O mesmo tema é discutido mais amplamente em
conexão com Efésios 1, e no momento toco nele mui de leve, já que o discuto
mais amplamente ali.
A qual nos foi dada. Partindo
da ordem do tempo, ele conclui que a salvação nos foi outorgada pela graça
soberana, já que nada fizemos de antemão para merecê-la. Pois se Deus nos elegeu
antes da fundação do mundo, então ele não poderia ter levado em conta obra
alguma de nossa parte, porquanto nenhuma ainda existia e nós mesmos ainda não
existíamos. A evasão sofistica, de que Deus fora influenciado pelas obras que
previra, não demanda uma longa resposta. Que espécie de obras teriam sido
essas, se Deus nos havia rejeitado, visto que a eleição propriamente dita é a
fonte e origem de todas as coisas boas? Esse 'dar graças' de que ele faz
menção, outra coisa não é senão a predestinação, pela qual fomos adotados como
filhos de Deus. Gostaria que meus leitores se lembrassem disso, pois amiúde se
diz que Deus nos 'dá7 sua graça somente quando ela começa a operar eficazmente
em nós. Aqui, porém, Paulo está tratando daquilo que Deus determinou consigo
mesmo desde o princípio; portanto, o que ele deu às pessoas que nem ainda
existiam é algo que fica completamente fora de qualquer consideração meritória,
e o conservou em seus tesouros até chegar o tempo em que pudesse trazê-lo a
lume pelo resultado de que Deus nada determina em vão.
Tanto aqui quanto em Tito 1, o
apóstolo chama a interminável série de anos, desde a fundação do mundo [Tt
1.2], de tempos eternos. A engenhosa discussão sobre este assunto, que
Agostinho suscita em muitas passagens, é estranha ao pensamento de Paulo; o que
este quer dizer é simplesmente isto: "antes que os tempos iniciassem sua
trajetória, desde todas as eras passadas." Além do mais, é digno de nota o
fato de ele colocar Cristo como o único fundamento da salvação, porque fora
dele não há nem adoção nem salvação para ninguém, como diz ele em Efésios 1.
Mas
que agora se manifestou. Note-se quão apropriadamente ele conecta
a fé que recebemos do evangelho com a eleição secreta de Deus, e designa a cada
uma o seu próprio lugar. Deus nos chamou pela proclamação do evangelho, não
porque repentinamente tivesse consciência de nossa salvação, mas porque ele
assim o determinou desde toda a eternidade. Cristo agora se manifestou para
essa salvação; não porque o poder de salvar lhe tenha sido recentemente
conferido, mas porque essa graça nos foi guardada nele antes da criação do
mundo. O conhecimento dessas coisas nos foi revelado pela fé. E assim, o
apóstolo sabiamente conecta o evangelho com as mais antigas promessas de Deus,
para que sua suposta novidade não o expusesse ao desprezo.
Suscita-se, porém, a indagação,
se tudo isso foi ocultado dos pais que viveram sob o regime da lei; pois se a
graça só foi revelada no advento de Cristo, então conclui-se que antes ela
estava oculta. Respondo que Paulo está falando da plena manifestação da
realidade propriamente dita, sobre a qual os pais também edificaram sua fé, de
modo que isso não os priva da realidade. Eis a razão por que Abel, Noé, Abraão,
Moisés, Davi e todos os santos obtiveram a mesma salvação que obtivemos, pois
também eles depositaram sua fé na manifestação [futura] de Cristo. Ao dizer que
a graça nos foi revelada mediante a manifestação de Cristo, o apóstolo não
exclui os pais da participação nela, pois a mesma fé os fez partícipes conosco
nessa manifestação. O Cristo de ontem é o mesmo de hoje [Hb 13.8], mas que não
se manifestara mediante sua morte e ressurreição antes do tempo prefixado pelo
Pai. Nossa fé e a de nossos pais sempre olham para o mesmo ponto, porque neste
fato jaz a única garantia e consumação de nossa salvação.
O
qual aboliu a morte. Pelo fato de atribuir ao evangelho a
manifestação da vida, o apóstolo não quer dizer que ela tenha sua origem na
Palavra sem referência alguma à morte e ressurreição de Cristo, posto que o
poder da Palavra repousa no assunto que ela contém; ao contrário, ele quer
dizer que a única maneira pela qual o fruto dessa graça pode chegar até aos
homens é através do evangelho, como expressou em 2 Coríntios 5.19: "Deus
estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação." É uma
notável e memorável recomendação do evangelho, que seja ele denominado o meio
pelo qual a vida se manifesta.
A Vida' ele adiciona imortalidade, querendo dizer: "uma
vida genuína e imortal", a menos que o leitor prefira considerar vida no
sentido de regeneração, à qual segue a bem-aventurada imortalidade que é ainda
o objeto da esperança. Pois nossa vida não consiste do que temos em comum com
as bestas brutas; ao contrário, consiste de nossa participação na imagem de
Deus. Visto, porém, que a natureza e valor genuínos dessa vida não aparecem
neste mundo [1 Jo 3.2], para explicá-la ele acrescentou oportunamente a
imortalidade, a qual é a revelação dessa vida que ora está oculta.

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17 dezembro, 2010
0 Deus do Início ao Fim – João Calvino
Porquanto
aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E
aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também
justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou ( Rm 8. 28,29)
29.
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou. Paulo mostra,
portanto, pela própria ordem da eleição, que todas as aflições dos crentes são
simplesmente os meios pelos quais são identificados com Cristo. Ele previamente
declarara a necessidade disto. As aflições, portanto, não devem ser um motivo
para nos sentirmos entristecidos, amargurados ou sobrecarregados, a menos que
também reprovemos a eleição do Senhor, pela qual fomos predestinados para a
vida, e vivamos relutantes em levar em nosso ser a imagem do Filho de Deus, por
meio da qual somos preparados para a glória celestial. O conhecimento
antecipado de Deus, mencionado aqui pelo apóstolo, não significa mera
presciência, como alguns neófitos tolamente imaginam, mas significa, sim, a
adoção, pela qual o Senhor sempre distingue seus filhos dos réprobos. Neste
sentido, Pedro diz que os crentes foram eleitos para a santificação do Espírito
segundo a presciência divina [1 Pedro 1:2]. Aqueles, pois, a quem me refiro
aqui, tolamente concluem que Deus não elegeu a ninguém senão àqueles a quem
previu que seriam dignos de sua graça. Pedro não incensa os crentes como se
fossem todos eles eleitos segundos seus méritos pessoais, senão que, ao
remetê-los ao eterno conselho de Deus, declara que estão todos inteiramente
privados de qualquer dignidade. Nesta passagem, Paulo também reitera, em outras
palavras, as afirmações que já havia feito concernentes ao propósito divino.
Segue-se disto que este conhecimento depende do beneplácito divino, visto que,
ao adotar aqueles a quem ele quis, Deus não teve qualquer conhecimento
antecipado das coisas fora de si mesmo, senão que destacou aqueles a quem
propôs eleger.
O verbo proorizw
[proorizo], o qual é traduzido por predestinar, aponta para as circunstâncias
desta passagem em pauta. O apóstolo quer dizer simplesmente que Deus
determinara que todos quantos adotasse levariam a imagem de Cristo. Não diz
simplesmente que deveriam ser conformados a Cristo, e, sim, à imagem de Cristo,
com o fim de ensinar-nos que em Cristo há um vivo e nítido exemplo que é posto
diante dos filhos de Deus para que imitem. A súmula da passagem consiste em que
a graciosa adoção, na qual nossa salvação consiste, é inseparável deste outro
decreto, a saber: que ele nos designou para que levemos a cruz. Ninguém pode
ser herdeiro do reino celestial sem que antes seja conformado ao Filho
Unigênito de Deus.
A fim de que ele seja [ou,
fosse] o primogênito entre muitos irmãos. O infinitivo grego, einai
[einai], pode ser traduzido de outra forma, porém preferi esta. Ao chamar
Cristo de o primogênito, Paulo quis simplesmente expressar que, se Cristo
possui a preeminência entre todos os filhos de Deus, então, com razão, ele nos
foi dado como exemplo, de modo que não devemos recusar nada de tudo quando
agradou-lhe suportar. Portanto, o Pai celestial, a fim de mostrar, por todos os
meios, a autoridade e a excelência que conferiu a seu Filho, ele deseja que
todos aqueles a quem adota como herdeiros de seu reino vivam de conformidade
com o seu exemplo.
Embora a condição dos santos
difira na aparência (assim como há diferença entre os membros do corpo humano),
todavia há certa conexão entre cada indivíduo e sua cabeça. Como, pois, o
primogênito leva o nome da família, assim Cristo é colocado numa posição de
preeminência, não só para que sua honra seja enaltecida entre os crentes, mas
também para que ele inclua todos os crentes em seu seio sob o selo comum de
fraternidade.
30. E aos
que predestinou, a esses também chamou. Paulo agora emprega um clímax a fim de
confirmar, por meio de uma demonstração mais clara, quão verdadeiramente a
nossa conformidade com a humildade de Cristo efetua a nossa salvação. Daqui ele
nos ensina que a nossa participação na cruz é tão conectada com a nossa
vocação, justificação e, finalmente, nossa glória, que não podem ser
desmembradas.
A fim de que os leitores possam
melhor entender a intenção do apóstolo, é bom que se lembrem de minha afirmação
anterior, ou seja: que o verbo predestinar, aqui, não se refere à eleição, mas
ao propósito ou decreto divino pelo qual ordenou que seu povo levasse a cruz.
Ao ensinar-nos que agora são chamados, o apóstolo tencionava que Deus não
oculta mais o que determinara fazer com eles, mas que o revelou a fim de que
pudessem levar com equanimidade e paciência a condição a eles imposta. A
vocação, aqui, é distinguida da eleição secreta, como sendo inferior a ela.
Pode-se alegar que ninguém tem conhecimento algum da condição que Deus designou
a cada indivíduo. Portanto, para evitar isto, o apóstolo diz que Deus, através
de seu chamado, testifica publicamente de seu propósito oculto. Este
testemunho, contudo, não consiste só na pregação externa, mas tem também o
poder do Espírito conectado a ela, pois Paulo está tratando com os eleitos, a
quem Deus não só compele por meio de sua Palavra falada, mas também convence
interiormente.
A justificação, aqui, pode
muito bem ser entendida como que incluindo a continuidade do favor divino desde
o tempo da vocação do crente até sua morte. Mas, visto que Paulo usa esta
palavra ao longo da Epístola, no sentido da imerecida imputação da justiça, não
há necessidade de nos apartarmos deste significado. O propósito de Paulo é
mostrar que a compensação que nos é oferecida é por demais preciosa para
permitir-nos enfrentar com ânimo as aflições. O que é mais desejável que ser
reconciliado com Deus, de modo que nossas misérias não mais são sinais da
maldição divina, nem mais nos conduz à destruição?
O apóstolo acrescenta que
aqueles que se vêem oprimidos pela cruz serão glorificados pela cruz serão
glorificados, de modo que seus sofrimentos e opróbrios não lhes produzem dano
algum. Embora a glorificação só foi exibida em nossa Cabeça, todavia, visto que
agora percebemos nele a herança da vida eterna, sua glória nos traz uma
segurança tal de nossa própria glória, que a nossa esperança pode muito bem ser
comparada a uma possessão já presente.
Deve-se acrescentar ainda que o
apóstolo empregou um hebraísmo e usou o tempo passado dos verbos, em vez do
presente. O que ele pretende é, quase certo, um ato contínuo; por exemplo:
“Aqueles a quem Deus agora educa sob a cruz, segundo seu conselho, ele chama e
justifica, ato contínuo, para a esperança da salvação; de modo que, em sua
humilhação, não perdem nada de sua glória. Embora seus sofrimentos atuais a
deformem aos olhos do mundo, todavia, diante de Deus e dos anjos, ela está
sempre a brilhar em perene perfeição”. O que Paulo, pois, pretende mostrar, por
este clímax, é que as aflições dos crentes, as quais são a causa de sua atual
humilhação, têm como único propósito fazê-los entender que possuem a glória do
reino celestial e que vão alcançar a glória da ressurreição de Cristo, com quem
já se acham crucificados.

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12 dezembro, 2010
0 Santa Vocação - João Calvino
E
nos chamou com santa vocação. (2Tm 1.9) Ele faz de nossa
vocação o selo infalível de nossa salvação. Pois como a salvação foi consumada
na morte de Cristo, assim Deus nos faz partícipes dela através de Cristo. Para
magnificar essa vocação ainda mais, ele a qualifica de santa. Tal fato deve ser
cuidadosamente observado, pois assim como temos de buscar a salvação
exclusivamente em Cristo, ele também teria morrido em vão e a troco de nada
caso não nos chamasse para participarmos desta graça. Portanto, mesmo depois de
haver, com sua morte, nos granjeado a salvação, uma segunda bênção resta ser
outorgada, a saber: que ele nos uniria em seu Corpo e nos comunicaria seus
benefícios a fim de desfrutarmo-los.
Não
segundo nossas obras. Ele agora chama a atenção para a fonte, quer de
nossa vocação, quer de nossa salvação total. Não possuímos obras que sejam
capazes de tomar a iniciativa em lugar de Deus, de modo que a nossa salvação
depende absolutamente de seu gracioso propósito e eleição. Em ambos os termos -
'propósito' e 'graça' - há uma hipálage*, de modo que o segundo termo é
considerado um adjetivo - "segundo o seu gracioso propósito". Ainda
que Paulo geralmente use o termo 'propósito' no sentido de "o decreto
secreto de Deus", o qual depende exclusivamente dele, o apóstolo, aqui,
decide adicionar 'graça' com o fim de tornar sua tese ainda mais explícita e
poder excluir completamente toda e qualquer referência às obras. A antítese,
neste versículo, por si só é suficiente para deixar completamente claro que não
há espaço algum para as obras onde reina a graça de Deus, especialmente quando
somos lembrados da eleição divina, através da qual ele antecipou eleger-nos
antes que viéssemos à existência. O mesmo tema é discutido mais amplamente em
conexão com Efésios 1, e no momento toco nele mui de leve, já que o discuto
mais amplamente ali.
A
qual nos foi dada. Partindo da ordem do tempo, ele conclui que a
salvação nos foi outorgada pela graça soberana, já que nada fizemos de antemão
para merecê-la. Pois se Deus nos elegeu antes da fundação do mundo, então ele
não poderia ter levado em conta obra alguma de nossa parte, porquanto nenhuma
ainda existia e nós mesmos ainda não existíamos. A evasão sofistica, de que Deus
fora influenciado pelas obras que previra, não demanda uma longa resposta. Que
espécie de obras teriam sido essas, se Deus nos havia rejeitado, visto que a
eleição propriamente dita é a fonte e origem de todas as coisas boas? Esse 'dar
graças' de que ele faz menção, outra coisa não é senão a predestinação, pela
qual fomos adotados como filhos de Deus. Gostaria que meus leitores se
lembrassem disso, pois amiúde se diz que Deus nos 'dá' sua graça somente quando
ela começa a operar eficazmente em nós. Aqui, porém, Paulo está tratando
daquilo que Deus determinou consigo mesmo desde o princípio; portanto, o que
ele deu às pessoas que nem ainda existiam é algo que fica completamente fora de
qualquer consideração meritória, e o conservou em seus tesouros até chegar o
tempo em que pudesse trazê-lo a lume pelo resultado de que Deus nada determina
em vão.
Tanto aqui quanto em Tito 1, o
apóstolo chama a inter-minável série de anos, desde a fundação do mundo [Tt
1.2], de tempos eternos. A engenhosa discussão sobre este assunto, que
Agostinho suscita em muitas passagens, é estranha ao pensamento de Paulo; o que
este quer dizer é simplesmente isto: "antes que os tempos iniciassem sua
trajetória, desde todas as eras passadas." Além do mais, é digno de nota o
fato de ele colocar Cristo como o único fundamento da salvação, porque fora
dele não há nem adoção nem salvação para ninguém, como diz ele em Efésios 1.

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08 dezembro, 2010
0 Como o Pecado Original nos Afeta - João Calvino
O
Pecado Original de Adão afeta toda a sua Posteridade
Como a vida espiritual de Adão
era permanecer ele unido e ligado a seu Criador, assim também, ao alienar-se
dele veio-lhe a morte da alma. Portanto, não surpreende se, por sua defecção,
afundou na ruína sua posteridade aquele que perverteu, no céu e na terra, toda
a ordem da própria natureza. “Gemem todas as criaturas”, diz 5. Primeira
edição: “Se vil e execrável ofensa é a apostasia, pela qual o homem se Paulo, “não
por sua própria vontade, sujeitas à corrupção” [Rm 8.20, 22]. Caso se busque a
causa disso, não há dúvida de que estão a sofrer parte daquele castigo que o
homem mereceu, para cujo proveito elas foram criadas. Portanto, quando, de alto
a baixo, por sua culpa atraiu a maldição que grassa por todos os recantos do
mundo, nada há de ilógico se ela foi propagada a toda sua descendência. Logo,
depois que a imagem celeste foi nele obliterada, não sofreu sozinho esta
punição que, em lugar de sabedoria, poder, santidade, verdade, justiça,
ornamentos de que fora ataviado, lhe sobreviessem as mais abomináveis pragas:
cegueira, fraqueza, impureza, fatuidade, iniqüidade, mas ainda nas mesmas
misérias enredilhou e submergiu sua progênie.
Esta é a corrupção hereditária
que os antigos designaram de “pecado original”, entendendo pelo termo pecado a
depravação de uma natureza antes disso boa e pura, matéria a respeito da qual
muita lhes foi a contenção, uma vez que nada seja mais remoto do consenso geral
que pela culpa de um só todos se façam culpados e, assim, o pecado se torne
comum a todos. Esta parece ter sido a razão por que os doutores mais antigos da
Igreja abordaram este assunto de forma tão obscura, pelo menos por que o
explanaram menos lucidamente do que se fazia necessário.
Contudo, esta relutância não
pôde impedir que Pelágio entrasse em cena, cuja profana invenção foi haver Adão
pecado tão-somente para seu próprio dano, mas que aos descendentes nada afetou.
Naturalmente, com esta artimanha de encobrir a enfermidade, Satanás tentou
torná-la incurável. Como, porém, pelo claro testemunho da Escritura se
mostrasse que o pecado foi transmitido do primeiro homem a toda a posteridade
[Rm 5.12], sofismavam haver-se transmitido por imitação, não por geração.
Portanto, bons homens, e acima dos demais Agostinho, nisto laboraram
afincadamente para mostrar que não somos corrompidos mediante impiedade
adquirida; ao contrário, trazemos depravação ingênita desde o ventre materno.
O não reconhecimento desse fato
foi o supremo descaramento. Mas ninguém se surpreenderá da temeridade dos
pelagianos e dos celestianos quem, pela leitura dos escritos daquele santo
varão, Agostinho, tenha percebido que monstros de perversa catadura foram eles
em todos os demais pontos.
Por certo que não é ambíguo o
que Davi confessa, a saber, ter sido gerado em iniqüidades e de sua mãe
concebido em pecado [Sl 51.5]. Não está ele aí a censurar as faltas do pai ou
da mãe; antes, para que melhor enalteça a bondade de Deus para consigo, faz
remontar a confissão de sua iniqüidade à própria concepção. Uma vez ser
evidente não ter sido isso peculiar a Davi, segue-se que sob seu exemplo se
denota a sorte comum do gênero humano.
Portanto, todos que descendemos
de uma semente impura, nascemos infeccionados pelo contágio do pecado. Na
verdade, antes que contemplemos esta luz da vida, à vista de Deus já estamos
manchados e poluídos. Pois, “quem do imundo tirará o puro?” Certamente, como
está no livro de Jó [14.4], ninguém!

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