25 junho, 2010
0 Morte Amaldiçoada, porém Bendita - João Calvino
A própria forma da morte de Cristo não carece de grande mistério. A cruz era
maldita não apenas na opinião humana, mas também por decreto da lei divina [Dt
21.23]. Logo, enquanto é nela alçado, Cristo se faz sujeito à maldição. E se
impôs agir assim para que, enquanto ela é transferida para ele, eximidos
fôssemos de toda maldição, a qual, em
conseqüência de nossas iniqüidades, nos estava reservada, ou, antes, pendia
sobre nós. Isto fora prefigurado até mesmo na lei. Pois as vítimas oferecidas
pelos pecados e no Antigo Testamento eram expiatórias, as chamavam aschamot, vocábulo com que, com
propriedade, se designa o próprio pecado. Com esta aplicação do termo, o
Espírito quis indicar que elas equivaliam a [katharmát – sacrifícios ou ritos
de purificação], que tomariam sobre si e susteriam a maldição devida às
transgressões. O que, porém, fora representado figurativamente nos sacrifícios mosaicos,
isso se exibe em Cristo, atualizado no arquétipo. Portanto, para que levasse a
efeito a justa expiação, ofereceu ele a própria vida como um ascham, isto é, um sacrifício
expiatório do pecado, como o diz o Profeta [Is 53.10], sobre o qual lançada, de
certa maneira, a mancha e a pena, para que deixe de ser-nos ele imputado.
Mais
explicitamente, isto mesmo testifica o Apóstolo, quando ensina que “Aquele que
não conhecera pecado, foi pelo Pai feito pecado por nós, para que nele fôssemos
feitos justiça de Deus” [2Co 5.21]. Ora, o Filho de Deus, absolutamente limpo
de toda mácula, revestiu-se, entretanto, do opróbrio e da ignomínia de nossas
iniqüidades, e por seu turno nos cobriu de sua pureza. O mesmo parece ter Paulo
contemplado quando, em referência ao pecado, ensina ter sido o mesmo condenado
em sua carne [Rm 8.3]. Pois, de fato, o Pai anulou o poder do pecado, quando a
maldição foi transferida para a carne de Cristo. Indica-se, portanto, com esta
afirmação, que em sua morte Cristo foi imolado ao Pai como vítima expiatória,
para que, efetuada propiciação por seu sacrifício, não mais nos apavoremos com
a ira de Deus.
Agora está claro
o que significa essa afirmação do Profeta: “As iniqüidades de todos nós foram
postas sobre ele” [Is 53.6], isto é, Aquele que haveria de expungir a sordidez
dessas iniqüidades foi das mesmas coberto mediante imputação transferida.
Símbolo deste
fato, atesta-o o Apóstolo, foi a cruz, na qual Cristo foi pregado. “Cristo”,
diz ele, “nos redimiu da maldição da lei, conquanto se fez maldição por nós.
Pois foi escrito: Maldito é todo aquele que pende em um madeiro, para que a bênção
de Abraão em Cristo alcançasse os povos”[Gl 3.13, 14; Dt 21.23]. O mesmo Pedro
visualizou quando ensina que “no madeiro Cristo levou nossos pecados” [1Pe 2.24],
visto que do próprio símbolo da maldição compreendemos mais claramente que foi
posto sobre ele o fardo de que havíamos sido oprimidos.
Nem se deve,
contudo, entender que Cristo tenha arrostado com esta maldição de modo tal que
ele próprio tenha sido dela avassalado. Pelo contrário, em arrostando-a, antes
abateu, quebrantou, destroçou-lhe todo o poder. Conseqüentemente, a fé apreende
na condenação de Cristo uma absolvição; em sua maldição, uma bênção. Pelo que,
não sem causa, magnificentemente proclama Paulo o triunfo que Cristo alcançou
para si na cruz, como se esta, que era plena de ignomínia, fosse convertida em
carro triunfal. Pois ele diz que foi “pregada na cruz a nota de dívida que nos
era desfavorável, e os principados foram totalmente desbaratados, e, assim
despojados, foram exibidos em público” [Cl 2.14, 15]. Tampouco isso surpreende,
pois, como o atesta outro Apóstolo, “pelo Espírito Eterno Cristo se ofereceu a
si mesmo” [Hb 9.14], donde procede essa transmutação de natureza das coisas. Mas,
para que estas coisas finquem firme raiz em nosso coração, e no íntimo se nos
arraiguem, venham-nos sempre à mente seu sacrifício e ablução. Pois, nem poderíamos
confiar com certeza que Cristo nos é redenção [1Co 1.30] resgate [1Tm 2.6] e
propiciação [Rm 3.25]; a menos que
viesse a ser-nos a vítima sacrificial. E por isso tantas vezes se faz menção de
sangue onde a Escritura expõe o modo da redenção. Bem que, entretanto, o sangue
de Cristo derramado valeu não apenas para satisfação, mas também serviu de
lavagem para purgar-nos as imundícias.
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