31 março, 2010
0 Sofrendo pela Verdade - João Calvino
Por cuja causa sofro também
essas coisas ( 2Tm 1.12). Sabe-se sobejamente que o
furor dos judeus, inflamado contra Paulo, era mais por esta causa do que por
qualquer outra, ou seja, por ele ter dado aos gentios uma participação comum do
evangelho. Por cuja causa se refere a toda a passagem precedente, e não deve
ser restringida só à última frase sobre os gentios. Então apresenta dois
argumentos a fim de impedir que sua prisão de alguma forma trouxesse prejuízo à
sua autoridade. Primeiro, ele mostra que a causa de sua prisão, longe de ser
uma desgraça, era-lhe, ao contrário, uma honra, visto que fora aprisionado não
por algum mau procedimento, mas porque obedecera ao chamado divino. É-nos um
inaudito conforto quando podemos receber os injustos juízos humanos com uma consciência
íntegra. Segundo, ele argumenta que não há nada de vexatório em sua prisão, já
que sua esperança é que haveria um resultado feliz. O homem que se vê armado
com tal defesa pode com certeza vencer as grandes provações, por mais graves
que sejam. E ao dizer, não me envergonho, ele usa seu próprio exemplo para
encorajar outros a demonstrarem a mesma ousadia.
Porque sei em quem tenho crido.
Eis aqui o único refúgio para onde todos os crentes devem fugir quando o mundo
os condena como perdidos e infelizes, ou seja, que devem ter por suficiente o
fato de poderem contar com a aprovação divina; pois o que seria deles caso
depositassem nos homens sua confiança? Desse fato devemos inferir que há grande
diferença entre a fé e a mera opinião humana. A fé não depende da autoridade
humana, tampouco é uma confiança hesitante e dúbia em Deus; ela tem de estar
associada ao conhecimento, do contrário não será bastante forte contra os
intermináveis assaltos que Satanás lhe faz. O homem que, como Paulo, possui tal
conhecimento saberá de experiência própria que nossa fé é corretamente chamada "a vitória que vence o mundo" [1
Jo 5.4], e que Cristo tinha boas razões para dizer que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" [Mt
16.18]. Tal homem será capaz de repousar tranqüilamente mesmo em meio às
tormentas e tempestades deste mundo, visto que alimenta uma confiança inabalável
de que Deus, que não pode mentir ou enganar, falou, e o que ele prometeu,
certamente o cumprirá. Por outro lado, o homem que não tem essa verdade
indelevelmente gravada em sua mente será sempre movido de um lado a outro como
um arbusto agitado pelo vento. Esta passagem merece nossa detida atenção, pois
ela explica de uma forma muitíssimo excelente o poder da fé, quando demonstra
que, mesmo em casos extremos, devemos glorificar a Deus por não duvidarmos que
ele se manterá verdadeiro e fiel e por aceitarmos sua Palavra com a mesma
certeza como se Deus mesmo surgisse do céu diante de nós. O homem carente de
tal convicção nada entende. É preciso que tenhamos sempre em mente que Paulo
não está a filosofar no escuro, senão que, com a própria realidade diante dos
olhos, está solenemente declarando o grande valor daquela confiante certeza da
vida eterna.
E
estou convicto de que ele é capaz. Ainda que a violência e a
extensão dos perigos que nos cercam amiúde nos lancem em desespero ou, no
mínimo, conturbem nossas mentes, temos de estar armados com a defesa de
sabermos que há no poder de Deus proteção segura para nós. Portanto Deus, ao
ordenar-nos que sejamos confiantes, usa este argumento: 'Aquilo que meu Pai me deu é
maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar" [Jo 10.29].
Com isso ele quer dizer que não corremos perigo algum, já que o Senhor que nos
recebeu em sua proteção é infinitamente capaz de resistir a todos eles. Nem
mesmo Satanás ousaria insinuar diretamente a idéia de que Deus é incapaz de cumprir
o que prometeu, porquanto nossas mentes recuariam diante de tão nefanda
blasfêmia; mas ao desviar nossos olhos e mentes para outras coisas, ele desvia
de nós todo o senso do poder de Deus. Portanto; nossa mente deve estar
completamente limpa, caso queiramos não só experimentar tal poder, mas também
reter a experiência dele em meio às tentações de todo gênero.
Sempre que Paulo fala do poder
de Deus, é preciso entender por essa idéia o seu poder real ou eficaz [energoumenen], como ele mesmo o
qualifica em outro lugar [Cl 1.29].
A fé sempre conecta o poder de Deus com sua Palavra, a qual não deve ser
definida como algo remoto ou à distância, mas, sim, como algo interior do qual
estamos de posse. É por isso que o apóstolo diz de Abraão em Romanos
4.20: "Não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé,
se fortaleceu, dando glória a Deus."
Guardar
o meu depósito até àquele dia. É bom observar a forma como
ele descreve a vida eterna: o depósito que lhe fora confiado. Daqui aprendemos
que a nossa salvação está nas mãos de Deus, precisamente como um depositário
que conserva em sua guarda a propriedade que lhe fora confiada para a proteger.
Se a nossa salvação dependesse de nós, ela seria constantemente exposta a todo
tipo de risco; mas, ao ser confiada a um guardião tão capaz, ela fica fora de
todo e qualquer perigo.
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