31 março, 2010
0 Sofrendo pela Verdade - João Calvino
Por cuja causa sofro também
essas coisas ( 2Tm 1.12). Sabe-se sobejamente que o
furor dos judeus, inflamado contra Paulo, era mais por esta causa do que por
qualquer outra, ou seja, por ele ter dado aos gentios uma participação comum do
evangelho. Por cuja causa se refere a toda a passagem precedente, e não deve
ser restringida só à última frase sobre os gentios. Então apresenta dois
argumentos a fim de impedir que sua prisão de alguma forma trouxesse prejuízo à
sua autoridade. Primeiro, ele mostra que a causa de sua prisão, longe de ser
uma desgraça, era-lhe, ao contrário, uma honra, visto que fora aprisionado não
por algum mau procedimento, mas porque obedecera ao chamado divino. É-nos um
inaudito conforto quando podemos receber os injustos juízos humanos com uma consciência
íntegra. Segundo, ele argumenta que não há nada de vexatório em sua prisão, já
que sua esperança é que haveria um resultado feliz. O homem que se vê armado
com tal defesa pode com certeza vencer as grandes provações, por mais graves
que sejam. E ao dizer, não me envergonho, ele usa seu próprio exemplo para
encorajar outros a demonstrarem a mesma ousadia.
Porque sei em quem tenho crido.
Eis aqui o único refúgio para onde todos os crentes devem fugir quando o mundo
os condena como perdidos e infelizes, ou seja, que devem ter por suficiente o
fato de poderem contar com a aprovação divina; pois o que seria deles caso
depositassem nos homens sua confiança? Desse fato devemos inferir que há grande
diferença entre a fé e a mera opinião humana. A fé não depende da autoridade
humana, tampouco é uma confiança hesitante e dúbia em Deus; ela tem de estar
associada ao conhecimento, do contrário não será bastante forte contra os
intermináveis assaltos que Satanás lhe faz. O homem que, como Paulo, possui tal
conhecimento saberá de experiência própria que nossa fé é corretamente chamada "a vitória que vence o mundo" [1
Jo 5.4], e que Cristo tinha boas razões para dizer que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" [Mt
16.18]. Tal homem será capaz de repousar tranqüilamente mesmo em meio às
tormentas e tempestades deste mundo, visto que alimenta uma confiança inabalável
de que Deus, que não pode mentir ou enganar, falou, e o que ele prometeu,
certamente o cumprirá. Por outro lado, o homem que não tem essa verdade
indelevelmente gravada em sua mente será sempre movido de um lado a outro como
um arbusto agitado pelo vento. Esta passagem merece nossa detida atenção, pois
ela explica de uma forma muitíssimo excelente o poder da fé, quando demonstra
que, mesmo em casos extremos, devemos glorificar a Deus por não duvidarmos que
ele se manterá verdadeiro e fiel e por aceitarmos sua Palavra com a mesma
certeza como se Deus mesmo surgisse do céu diante de nós. O homem carente de
tal convicção nada entende. É preciso que tenhamos sempre em mente que Paulo
não está a filosofar no escuro, senão que, com a própria realidade diante dos
olhos, está solenemente declarando o grande valor daquela confiante certeza da
vida eterna.
E
estou convicto de que ele é capaz. Ainda que a violência e a
extensão dos perigos que nos cercam amiúde nos lancem em desespero ou, no
mínimo, conturbem nossas mentes, temos de estar armados com a defesa de
sabermos que há no poder de Deus proteção segura para nós. Portanto Deus, ao
ordenar-nos que sejamos confiantes, usa este argumento: 'Aquilo que meu Pai me deu é
maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar" [Jo 10.29].
Com isso ele quer dizer que não corremos perigo algum, já que o Senhor que nos
recebeu em sua proteção é infinitamente capaz de resistir a todos eles. Nem
mesmo Satanás ousaria insinuar diretamente a idéia de que Deus é incapaz de cumprir
o que prometeu, porquanto nossas mentes recuariam diante de tão nefanda
blasfêmia; mas ao desviar nossos olhos e mentes para outras coisas, ele desvia
de nós todo o senso do poder de Deus. Portanto; nossa mente deve estar
completamente limpa, caso queiramos não só experimentar tal poder, mas também
reter a experiência dele em meio às tentações de todo gênero.
Sempre que Paulo fala do poder
de Deus, é preciso entender por essa idéia o seu poder real ou eficaz [energoumenen], como ele mesmo o
qualifica em outro lugar [Cl 1.29].
A fé sempre conecta o poder de Deus com sua Palavra, a qual não deve ser
definida como algo remoto ou à distância, mas, sim, como algo interior do qual
estamos de posse. É por isso que o apóstolo diz de Abraão em Romanos
4.20: "Não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé,
se fortaleceu, dando glória a Deus."
Guardar
o meu depósito até àquele dia. É bom observar a forma como
ele descreve a vida eterna: o depósito que lhe fora confiado. Daqui aprendemos
que a nossa salvação está nas mãos de Deus, precisamente como um depositário
que conserva em sua guarda a propriedade que lhe fora confiada para a proteger.
Se a nossa salvação dependesse de nós, ela seria constantemente exposta a todo
tipo de risco; mas, ao ser confiada a um guardião tão capaz, ela fica fora de
todo e qualquer perigo.

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30 março, 2010
0 Ele Morreu pelos Ímpios - João Calvino
Cristo morreu pelos ímpios (Rm
5.6-9) . Em minha tradução, não me aventurei conceder-me a
liberdade de traduzir esta frase: "quando nós ainda éramos fracos",
embora tenho preferido este sentido. O presente argumento procede do maior para
o menor, e Paulo, em seguida, o adotará mais extensivamente. Embora ele não
componha os liames de seu discurso de maneira distinta, a irregularidade de sua
estrutura não afetará o significado. "Se
Cristo", diz ele, "teve misericórdia do ímpio; se
reconciliou seus inimigos com o Pai; se realizou isto pela virtude de sua
morte, então agora, muito mais facilmente, os salvará quando forem
justificados, e guardará em sua graça àqueles a quem restaurou à graça,
especialmente pelo fato de que a eficácia de sua vida é agora acrescentada à
sua morte."
Há intérpretes que defendem a
tese de que o tempo de fraqueza significa aquele período em que Cristo começou
a manifestar-se ao mundo; e consideram aqueles que eram ainda fracos como
aqueles que, em sua infância [espiritual],
viviam sob a tutela da lei. A expressão, contudo, sustento eu, se refere ao
próprio cristão crente, e o tempo referido é o período que precede a
reconciliação de cada um com Deus. Todos nós nascemos filhos da ira, e somos
mantidos sob esta maldição até que nos tornemos partícipes de Cristo. Pela
expressão, aqueles que são fracos ele quer dizer aqueles que não possuem nada
em si mesmos senão pecado, pois
imediatamente a seguir ele os chama de ímpios. Não há nada fora do comum
considerar fraqueza neste sentido, visto que em 1 Coríntios 12.22 ele chama as partes menos nobres do corpo de
frágeis; e em 2 Coríntios 10.10, ele
chama sua própria presença física é fraca visto não possuir qualquer dignidade. Recorreremos a este
significado um pouco mais adiante. Quando, pois, éramos fracos ou seja, quando
éramos completamente indignos e
desqualificados para merecermos a consideração divina, nesse mesmo tempo Cristo
morreu em favor dos ímpios. A fé é o início da piedade, à qual eram estranhos
todos aqueles por quem Cristo morreu. Isto é também válido para os antigos
pais, os quais obtiveram justiça antes da morte de Cristo, pois este benefício
eles o extraíram da morte do Cordeiro que ainda estava por vir.
7. Dificilmente
alguém morreria por um justo. A razão me compele a expor a partícula (
gar ) em
sentido afirmativo ou declarativo, antes que causativo, ficando assim o
sentido: "De fato é uma ocorrência
muito rara entre homens a morte de alguém em favor de um justo, embora
ocasionalmente seja possível acontecer. Mas, mesmo admitindo que tal coisa seja
possível, não se achará ninguém que esteja disposto a morrer por um ímpio, como
Cristo o fez." Deste modo, a passagem emprega uma comparação a fim de
ampliar o que Cristo fez por nós, visto não existir no seio da humanidade um
exemplo tal de bondade como a que Cristo nos demonstrou.
Mas
Deus prova o seu amor para conosco. O verbo aqui contém mais de um significado. O mais adequado
aqui é o que denota confirmação. Não é o propósito do apóstolo despertar-nos
para ações de graças, e, sim, estabelecer a confiança e a segurança de nossas
almas. Deus, pois, confirma ou seja,
declara que o seu amor para conosco é muitíssimo sólido e verdadeiro, visto que
não poupou a Cristo, seu próprio Filho, por amor aos ímpios. Nisto se
manifestou o seu amor, ou seja: sem ser influenciado pelo nosso amor, ele nos
amou mesmo antes de usar seu próprio beneplácito em nosso favor, como João
mesmo nos diz [Jo 3.16]. O termo
pecadores (como em muitas outras passagens) significa aqueles que são
completamente corruptos e entregues ao pecado - veja-se João 9.31: "Deus
não ouve a pecadores", ou seja: o ímpio e o culpado. A "mulher
pecadora" significa uma mulher que vivia vida vergonhosa [Lc 8.37].
Isto surge mais claro ainda a partir do contraste que se segue imediatamente,
ou seja: Muito mais agora, sendo justificados por seu sangue. Visto que ele
contrasta estes dois elementos, e faz referência àqueles que são libertados da culpa
de seu pecado, como sendo justificados, segue-se necessariamente que o termo
pecadores significa aqueles que são condenados por suas ações perversas.
A súmula de tudo consiste em
que, se Cristo obteve justiça para os
pecadores, pela instrumentalidade de sua morte, então, agora, os protegerá
muito mais da destruição assim que são justificados. Na última cláusula ele
aplica à sua própria doutrina a comparação entre o menor e o maior. Não teria
sido suficiente que Cristo houvesse uma vez por todas granjeado a salvação para
nós, se porventura não a mantivesse ilesa e segura até ao fim. Isto é o que o
apóstolo agora assevera, declarando que não temos razão para temer que Cristo
não conclua a concessão de sua graça destinada a nós antes que tenhamos chegado
ao nosso predeterminado fim. Tal é a nossa condição, visto que ele nos
reconciliou com o Pai, ou seja: que ele propôs estender sua graça a nós de
forma mais eficaz e fazê-la aumentar dia a dia.

29 março, 2010
0 O Rei Eterno - João Calvino
Ora, ao Rei eterno.(1 Tm 1.17) O entusiasmo de Paulo prorrompe nesta
exclamação, já que não lhe era possível encontrar palavras adequadas para
expressar sua gratidão. Essas explosões súbitas brotam de Paulo principalmente
quando a imensidão do tema o subjuga e o faz interromper o que estava dizendo: “Ao
Rei Eterno, imortal, invisível, o único Deus, seja a honra e a glória para
sempre. Amém!” - Pois o que haveria de mais grandioso do que a
conversão de Paulo? Ao mesmo tempo, ele admoesta a todos nós, à luz de seu
exemplo pessoal, para que jamais visualizemos a graça demonstrada no chamamento
divino sem mergulharmos em extasiante admiração. Esse sublime louvor dirigido à
graça de Deus absorve toda a memória de sua vida anterior.
Incorruptível,
invisível, o Deus único. Que infinita amplidão é a glória de Deus!
Os atributos aqui atribuídos a Deus, ainda que sempre lhe pertencessem, não
obstante se adequam perfeitamente bem ao presente contexto. Ele denomina Deus
de eterno, ou Rei das eras, o qual jamais muda [incorruptível]. Denomina-o de
invisível, visto que ele habita em luz inacessível, como o expressa por último,
ou seja: o Deus único, o único sábio, visto que ele considera insensatez, e
condena como vaidade, toda a sabedoria humana. Tudo isso se harmoniza com sua
conclusão em Romanos 11.33: "O
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!"
Seu intuito é levar-nos a contemplar a imensa e incompreensível sabedoria de
Deus com uma reverência tal que, caso suas obras inundem nossas mentes, devemos
ainda sentir-nos arrebatados pela perplexidade.
Há certa dúvida se com o termo 'único'
ele quis reivindicar toda a glória exclusivamente para Deus ou
intitulá-lo único sábio ou único Deus. O segundo sentido parece-me o melhor,
pois se adequa bem ao seu presente tema, pondo em realce como o entendimento
humano deve curvar-se diante do conselho secreto de Deus. Não que eu negue que
o apóstolo esteja dizendo que Deus é o único digno de toda glória; pois,
enquanto ele espalha fagulhas de sua glória diante de suas criaturas, ela ainda
permanece sua em toda a plenitude e inteireza. Ambas as interpretações, porém,
evidenciam plenamente que não há glória real senão em Deus.

27 março, 2010
0 O Principal dos Pecadores - João Calvino
Para que, em mim, o principal
dos pecadores..., evidenciasse Jesus Cristo toda a sua longanimidade(1Tm
1.16,17). Ao dizer, 'o principal' [primo], aqui, Paulo
está uma vez mais dizendo que ele é o principal dos pecadores, de modo que o
termo tem o mesmo sentido de principalmente, ou acima de todos. Ele quer dizer
que desde o início Deus exibiu este exemplo de sua graça para que a mesma fosse
contemplada clara e amplamente, de modo tal que ninguém alimentasse dúvida de
que o único modo de se obter o perdão é indo a Cristo pela fé. Toda a nossa
falta de confiança é removida quando vemos em Paulo um tipo visível daquela
graça que buscamos.
Ora, ao Rei eterno. Seu
entusiasmo prorrompe nesta exclamação, já que não lhe era possível encontrar
palavras adequadas para expressar sua gratidão. Essas explosões súbitas brotam
de Paulo principalmente quando a imensidão do tema o subjuga e o faz interromper
o que estava dizendo. Pois o que haveria de mais grandioso do que a conversão
de Paulo? Ao mesmo tempo, ele admoesta a todos nós, à luz de seu exemplo
pessoal, para que jamais visualizemos a graça demonstrada no chamamento divino
sem mergulharmos em extasiante admiração. Esse sublime louvor dirigido à graça
de Deus absorve toda a memória de sua vida anterior.
Incorruptível, invisível, o
Deus único. Que infinita amplidão é a glória de Deus! Os atributos aqui
atribuídos a Deus, ainda que sempre lhe pertencessem, não obstante se adequam
perfeitamente bem ao presente contexto. Ele denomina Deus de eterno, ou Rei das
eras, o qual jamais muda {incorruptível. Denomina-o de invisível, visto que ele
habita em luz inacessível, como o expressa por último, ou seja: o Deus único, o
único sábio, visto que ele considera insensatez, e condena como vaidade, toda a
sabedoria humana. Tudo isso se harmoniza com sua conclusão em Romanos 11.33:
"O profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de
Deus!" Seu intuito é levar-nos a contemplar a imensa e incompreensível
sabedoria de Deus com uma reverência tal que, caso suas obras inundem nossas
mentes, devemos ainda sentir-nos arrebatados pelo perplexidade.
Há certa dúvida se com o termo
'único' ele quis reivindicar toda a glória exclusivamente para Deus ou
intitulá-lo único sábio ou único Deus. O segundo sentido parece-me o melhor,
pois se adequa bem ao seu presente tema, pondo em realce como o entendimento
humano deve curvar-se diante do conselho secreto de Deus. Não que eu negue que
o apóstolo esteja dizendo que Deus é o único digno de toda glória; pois,
enquanto ele espalha fagulhas de sua glória diante de suas criaturas, ela ainda
permanece sua em toda a plenitude e inteireza. Ambas as interpretações, porém, evidenciam
plenamente que não há glória real senão em Deus.

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26 março, 2010
0 Deus deseja Salvar todos? J. Calvino
“Pois
isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, o qual deseja que todos
os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.3,4).
Isso é bom e aceitável. Havendo
demonstrado que o mandamento que ele promulgara é excelente, agora apela para
um argumento mais enérgico, a saber: que é agradável a Deus. Pois quando
sabemos que essa é a vontade de Deus, cumpri-la é a melhor que todas as demais
razões. Pelo termo, 'bom', ele tem
em mente o que é certo e lícito; e, visto que a vontade de Deus é a regra pela
qual devemos regulamentar todos os nossos deveres, ele prova que ela é justa,
porque é aceitável a Deus.
Esta passagem merece detida
atenção, pois dela podemos extrair o princípio geral de que a única norma
genuína para agir bem e com propriedade é acatar a e esperar na vontade de
Deus, e não empreender nada senão aquilo que ele aprova. E essa é também a
regra da oração piedosa, a saber: que tomemos a Deus por nosso Líder, de modo
que todas as nossas oração sejam regulamentadas por sua vontade e comando. Se
essa regra não houvera sido suprimida, as orações dos papistas, hoje, não
seriam tão saturadas de corrupções. Pois, como poderão provar que detêm a
autoridade divina para se dedicarem à intercessão dos santos falecidos, ou eles
mesmos praticarem a intercessão em favor dos mortos? Em suma, em toda a sua
forma de orar, o que poderão apresentar que seja do agrado de Deus?
Daqui
se deduz uma confirmação do segundo argumento, o fato de que Deus
deseja que todos os homens sejam salvos.
Pois, que seria mais razoável
do que todas as nossas orações se conformarem a este decreto divino?
Concluindo, ele demonstra que Deus tem no coração a salvação de todos os
homens, porquanto ele chama a todos os homens para o conhecimento de sua
verdade. Este é um argumento que parte de um efeito observado em direção à sua
causa. Pois se "o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo
aquele que crê" [Rm 1.16], então é justo que todos aqueles a quem o
evangelho é proclamado sejam convidados a nutrir a esperança da vida eterna. Em
suma, visto que a vocação [do evangelho] é uma prova concreta da eleição
secreta, então Deus admite à posse da salvação aqueles a quem ele concedeu a
bênção de participarem de seu evangelho, já que o evangelho nos revela a
justiça de Deus que garante o ingresso na vida.
A luz desse fato, fica em evidência a pueril ilusão daqueles que
crêem que esta passagem contradiz a predestinação. Argumentam: "Se Deus
quer que todos os homens, sem distinção alguma, sejam salvos, então não pode
ser verdade que, mediante seu eterno conselho, alguns hajam sido predestinados
para a salvação e outros, para a perdição." Poderia haver alguma base para
tal argumento, se nesta passagem Paulo estivesse preocupado com indivíduos; e
mesmo que assim fosse, ainda teríamos uma boa resposta. Porque, ainda que a
vontade de Deus não deva ser julgada à luz de seus decretos secretos, quando
ele no-los revela por meio de sinais externos, contudo não significa que ele
não haja determinado secretamente, em seu íntimo, o que se propõe fazer com
cada pessoa individualmente.
Mas não acrescentarei a este
tema nada mais, visto o assunto não ser relevante ao presente contexto, pois a
intenção do apóstolo, aqui, é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e
nenhuma classe social são excluídas da salvação, visto que Deus quer oferecer o
evangelho a todos sem exceção. Visto que a pregação do evangelho traz vida, o
apóstolo corretamente conclui que Deus considera a todos os homens como sendo
igualmente dignos de participar da salvação. Ele, porém, está falando de
classes, e não de indivíduos; e sua única preocupação é incluir em seu número
príncipes e nações estrangeiros. Que a vontade de Deus é que eles também
participem do ensinamento do evangelho é por demais óbvio à luz das passagens
já citadas e de outras afins. Não é sem razão que se disse: "Pede-me, e eu
te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua
possessão" [SI 2.8]. A intenção de Paulo era mostrar que devemos ter em
consideração, não que tipo de homens são os príncipes, mas, antes, o que Deus
queria o que fossem. Há um dever de amor que se preocupa com a salvação de
todos aqueles a quem Deus estende seu chamamento e testifica acerca desse amor
através das orações piedosas.
E nessa mesma conexão que ele
chama Deus nosso Salvador, pois de qual fonte obtemos a salvação senão da
imerecida munificência divina? O mesmo Deus que já nos conduziu à sua salvação
pode, ao mesmo tempo, estender a mesma graça também a eles. Aquele que já nos
atraiu a si pode uni-los também a nós. O apóstolo considera como um argumento
indiscutível o fato de Deus agir assim entre todas as classes e todas as
nações, porque isso foi predito pelos profetas.

25 março, 2010
0 Amor Invencível - João Calvino
“Quem
nos separará do amor de Cristo?” Ele agora dá mais amplitude a
esta segurança, levando-a para a esfera dos seres inferiores. Aqueles que se
deixam persuadir pela divina benevolência em seu favor são capazes de manter-se
firmes nas mais variadas e prementes aflições. Estas atormentam o ser humano
numa extensão muito ampla, seja porque não consideram que estas coisas procedem
da providência divina, ou porque interpretam-nas como sinais da ira divina, ou
porque acreditam que Deus esqueceu-se deles, ou porque não conseguem divisar o
propósito delas, ou porque não conseguem meditar sobre uma vida melhor, ou por
outras razões similares. Mas quando a mente se vê purgada de erros dessa
espécie, então facilmente mergulhará em perene placidez.
O sentido das palavras consiste
em que, seja o que for que nos aconteça, devemos permanecer firmes na confiança
de que Deus, que uma vez por todas um dia nos envolveu em seu amor, jamais
deixará de cuidar de nós. Paulo não diz simplesmente que não existe nada que
dissuada Deus de seu amor por nós, e, sim, que deseja que o conhecimento e o
vivido senso do amor sejam tão fortes em nós que o mesmo venha a vicejar em
nossos corações, de uma maneira tal, que sempre triunfe em meio às trevas de
nossas aflições.
Tal como as nuvens, embora
escureçam passageiramente a clara visão do sol, não nos privam totalmente de
sua luz, também a nós, em nossas adversidades, Deus nos envia os raios de sua
graça através de nossas trevas, a fim de que a tentação não nos vença e nos
faça mergulhar em desespero. Deveras, nossa fé deve ascender com asas, movidas
pelas promessas divinas, e penetrar o próprio céu, vencendo todos os obstáculos
que tentam obstruir nossa jornada.
A adversidade, é verdade,
considerada em sua própria natureza, é um sinal da ira divina; mas quando o
perdão e a reconciliação a tenham precedido, então passamos a compreender que,
embora Deus nos puna, todavia jamais se esquecerá de exercer sua mercê em nosso
favor. Paulo nos lembra o que realmente merecemos, mas enquanto insiste em
nossa necessidade de exercer arrependimento, também testifica não menos que a
nossa salvação é especial objeto do cuidado divino.
Ele fala de o amor de Cristo,
porque o Pai, em Cristo, revelou sua compaixão para conosco. Portanto, visto
que o amor de Deus não deve ser visto fora de Cristo, então Paulo corretamente
nos lembra esta verdade, para que a nossa fé possa contemplar o sereno
semblante do Pai através dos fulgurantes raios da graça de Cristo.
Sumariando, nenhuma adversidade
deve minar nossa confiança de que, quando Deus nos é propício, nada poderá ser
contra nós. Há quem tome o amor de Cristo em sentido passivo, pelo amor por
meio do qual o amamos, como se Paulo quisesse munir-nos de uma coragem
invencível. Mas este equívoco é facilmente desfeito pelo contexto todo, e o
apóstolo, aqui, também remove toda possível dúvida mediante uma definição mais
clara desse amor.

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24 março, 2010
0 Espírito de Covardia - João Calvino
Porque Deus não nos deu
espírito de covardia (2Tm 1.7). Isso confirma sua afirmação
anterior, pela qual ele prossegue insistindo com Timóteo a apresentar evidência
do poder dos dons que recebera. Ele apela para o fato de que Deus governa seus
ministros pelo espírito de poder que é o oposto do espírito de covardia. Daqui
se conclui que eles não devem cair na indolência, mas que devem animar-se com
profunda segurança e ardorosa atividade, e que exibam com visíveis resultados o
poder do Espírito. Há uma passagem em Romanos [8.15] que, à primeira vista, se
assemelha muito a esta; o contexto, porém, revela que o sentido é diferente.
Ali, ele está tratando da confiança na adoção possuída por todos os crentes;
aqui, porém, sua preocupação é especificamente com os ministros, e os exorta na
pessoa de Timóteo a animar-se para dinâmicos feitos de bravura; pois o Senhor
não quer que exerçam seu ofício com tibieza e langor, senão que avancem com
todo vigor, confiando na eficácia do Espírito.
Mas de poder, de amor e de
sobriedade. Daqui aprendemos que nenhum de nós possui em si mesmo a excelência
de espírito e a inabalável confiança necessárias no exercício de nosso
ministério; devemos ser revestidos com o novo poder do alto. Os obstáculos são
tantos e tão imensuráveis, que nenhuma coragem humana é suficiente para
transpô-los. Portanto, é Deus quem nos equipa com o Espírito de poder. Pois
aqueles que, por outro lado, revelam grande força, caem quando não são
sustentados pelo poder do Espírito de Deus.
Em
segundo lugar, inferimos que os que são tímidos e servis como
os escravos, de modo que, quando precisam soerguer-se não ousam tomar qualquer
iniciativa em defesa da verdade, esses não são governados pelo Espírito que age
sobre os servos de Cristo. Daí se conclui que mui poucos daqueles que se
denominam ministros de Cristo, hoje, dão mostras de ser genuínos. Pois
dificilmente se encontrará entre eles um que, confiando no poder do Espírito,
destemidamente desdenhe de toda altivez que se exalta contra Cristo! Acaso a
grande maioria não se preocupa mais com seu próprio interesse e seu próprio
lazer? Não se prostram mudos assim que estala algum problema? Como resultado,
em seu ministério não resplende nada da majestade de Deus. A palavra espírito é
aqui usada figuradamente, como em muitas outras passagens.
Mas, por que depois de poder
ele acrescenta amor e sobriedade? Em minha opinião, é para distinguir o poder
do Espírito do excessivo zelo dos fanáticos que se precipitam numa desenfreada
pressa e se gabam de possuir o Espírito de Deus. Portanto, ele explicitamente
declara que a poderosa energia do Espírito é temperada pelo amor e sobriedade, ou
seja, por uma serena solicitude pela edificação. Paulo não está negando que o
mesmo Espírito fosse comunicado aos profetas e mestres antes da publicação do
evangelho, mas insinua que essas duas graças seriam especialmente evidentes e
poderosas sob o reino de Cristo.

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23 março, 2010
0 Não Anule a Fé - João Calvino
Pois
se aqueles que são da lei é que são os herdeiros... O
apóstolo argumenta, a partir de uma posição insustentável ou absurda, que a
graça obtida por Abraão, procedente de Deus, não lhe fora prometida por meio de
um acordo legal, ou com base nas obras. Ele procedeu assim porque, se essa fora
a condição para que concedesse a honra da adoção a quem a mereça, ou a quem
pratica a lei, ninguém ousaria alimentar qualquer confiança naquela adoção que
lhe fora aplicada. E quem está consciente de tal perfeição que possa determinar
que a herança lhe é devida pela justiça [procedente] da lei? Sua fé, portanto,
seria anulada, porquanto a impossível condição não só manteria a mente humana
em suspense e ansiedade, mas também a golpearia com o temor e o tremor. Dessa
forma, o efeito das promessas se desvaneceria, visto que as mesmas são de
nenhum valor exceto quando recebidas pela fé. Se nossos adversários tivessem
condição de atentar para esta única razão, então a controvérsia suscitada entre
nós seria facilmente elucidada.
Pois
se aqueles que são da lei é que são os herdeiros, anula-se a fé e invalida-se a
promessa, porque a lei suscita a ira; mas onde não há lei, também não há
transgressão.(Rm 4.14,15)
O apóstolo se posiciona de
forma axiomática, afirmando que as promessas de Deus serão ineficazes caso não
as recebamos em plena convicção. O que aconteceria, porém, se a salvação
tivesse por base a observância da lei? A consciência humana não teria certeza
alguma, senão que viveria atribulada com incessante intranqüilidade, e
finalmente sucumbiria em desespero. A promessa mesma, cujo cumprimento
dependeria de uma impossibilidade, se desvaneceria sem produzir um fruto
sequer. Fora, pois, com aqueles que ensinam deploravelmente ao povo a procurar
para si salvação nas obras humanas, visto que Paulo expressamente declara que a
promessa seria abolida se porventura dependesse ela das obras [humanas].
Reconheçamos, pois, que quando
pomos nossa confiança nas obras, a fé é reduzida a zero. Daqui também
aprendemos o que é fé e o caráter que a justiça procedente das obras deve
exibir, se porventura os homens são capazes de confiar nela em plena certeza.
O apóstolo nos afirma que a fé
perece se porventura nossa alma não repousar serenamente na munificência
divina. A fé, pois, não consiste no mero reconhecimento de Deus ou de sua
verdade, nem mesmo consiste na simples persuação de que existe um Deus e de que
sua Palavra é a verdade, senão que consiste no sólido conhecimento da divina
misericórdia que se recebe do evangelho, e imprime a paz de consciência na
presença de Deus e nele repousa. Portanto, a súmula desta questão é: se
porventura a salvação depende da observância da lei, então não é possível que a
mente repouse confiante nela; e deveras todas as promessas oferecidas a nós por
Deus não terão qualquer efeito. E assim estaremos numa condição perdida e
deplorável, se porventura somos remetidos às obras para encontrar nelas a causa
ou a certeza da salvação.
Porque
a lei suscita a ira. Esta é uma confirmação do último versículo, e é
considerado pelo prisma do efeito oposto da lei. Visto que ela nada produz
senão vingança, então não pode transmitir graça. E verdade que a lei tem o
propósito de apontar ao homem o caminho da virtude e integridade; visto, porém,
que ela ordena ao pecador corrupto a cumprir seus deveres sem supri-lo com o poder
de fazê-lo, então o que ela faz é conduzi-lo a juízo, como culpado, perante o
tribunal divino. Tal é a corrupção de nossa natureza, que quanto mais somos
ensinados no que é certo e justo, mais abertamente a nossa iniqüidade e
particularmente a nossa obstinácia são detectadas; e assim, o juízo divino cai
sobre nós de forma ainda mais inexorável.
Pelo termo ira devemos entender
o juízo divino, e freqüentemente leva esse significado. Aqueles que acreditam
que a lei inflama a ira do pecador porque este odeia e execra o Legislador,
sabendo que o mesmo se opõe às suas depravações, são em extremo ingênuos no que
afirmam, porém seus argumentos não são suficientemente relevantes para a
passagem em apreço. O uso comum da expressão, bem como a razão que Paulo imediatamente
adiciona, põe em evidência que Paulo quer dizer simplesmente que é só
condenação o que a lei traz sobre todos nós.
Mas onde não há lei, também não
há transgressão. Esta é a segunda prova pela qual ele confirma sua declaração.
De outro modo teria sido difícil perceber como a ira de Deus se inflama contra
nós em virtude da lei se a razão para tal não fosse bastante evidente. A razão
consiste em que quando recebemos o conhecimento da justiça divina pela
instrumentalidade da lei, a mínima escusa agrava ainda mais o pecado contra
ele. Aqueles que fogem de conhecer a vontade de Deus, merecidamente sofrem um
castigo muito mais severo do que aqueles que o ofendem movidos pela ignorância.
O apóstolo, contudo, não está a referir-se àquela simples transgressão da
justiça da qual ninguém se vê isento; ao contrário, pelo termo transgressão ele
quer dizer que o homem, havendo sido ensinado sobre o que agrada ou desagrada a
Deus, consciente e voluntariamente transpõe as fronteiras prescritas pela
Palavra de Deus. Numa só frase, transgressão, aqui, não é simples ofensa, mas
significa uma obstinação espontânea em violar a justiça. A partícula no grego, “onde”, que tomo como advérbio, é
traduzida por alguns comentaristas como cujus,
do qual; a primeira tradução, porém, é mais apropriada e mais geralmente
aceita. Qualquer tradução que seguirmos, o significado permanece o mesmo, ou
seja: aquele que não é instruído pela lei escrita também não é culpado de
transgressão demasiado séria, como aquele que obstinadamente quebra e transgride
a lei de Deus.

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22 março, 2010
1 A Cegueira dos Ímpios - João Calvino
Mas se o nosso evangelho está
encoberto (2Co 4.3,4). Teria sido fácil despejar escárnio na
alegação de Paulo de que a sua pregação era muitíssimo clara, porquanto ela
contava com muitos oponentes. Porém, Paulo enfrenta esta acusação com
implacável autoridade, ameaçando todo aquele que não reconhecesse o poder do
seu evangelho e alertando a todos de que este é um sinal de reprovação e morte.
É exatamente como se dissesse: "Se alguém afirma que não reconhece a
manifestação de Cristo, na qual me glorio, por esse mesmo fato prova claramente
ser ele mesmo um réprobo, porque a sinceridade de minha pregação é pública e
claramente compreendida por todos quantos têm olhos para ver."
Aqueles para quem o evangelho está oculto devem, pois, estar cegos e carentes
dos próprios vestígios de entendimento racional. A conclusão é que a cegueira
dos incrédulos de modo algum denigre a clareza de seu evangelho; o sol não é
menos resplendente só porque os cegos não podem perceber sua luz.
Alegar-se-á que isto se aplica
igualmente à lei, porquanto em si mesma ela é "lâmpada para guiar os nossos pés" (SI 119.105), e "iluminar os nossos olhos" (SI
19.8), e está oculta somente para aqueles que perecem. A minha resposta é
que, enquanto Cristo estiver associado à lei, o brilho do sol penetra através
das nuvens, de modo que os homens têm luz suficiente para o seu uso; mas onde
Cristo é dissociado da lei, não fica nada senão trevas ou, antes, uma falsa
aparência de luz que ofusca, em vez de iluminar os olhos dos homens.
O fato de que ele ousa
considerar como réprobos a todos quantos rejeitam sua doutrina é evidência de
grande segurança, mas é certo que todos quantos desejam ser considerados
ministros de Deus possuam semelhante segurança, de modo que, com uma
consciência intrépida, não hesitam em intimar aos que se opõem ao seu ensino a
comparecerem diante do trono do juízo divino para que recebam ali ajusta
condenação.
Em quem o deus deste mundo. Paulo
está querendo dizer que não acredita que seria surpreendido pela perversa
obstinação de seus oponentes. "Eles não conseguem ver o sol ao
meio-dia", diz ele, "porque o diabo cegou seu entendimento."
Ninguém em são juízo teria alguma dúvida de que o apóstolo, aqui, se refere a
Satanás. Hilário, que se viu obrigado a tratar com os arianos que abusavam
desta passagem em apoio de seu ponto de vista de que Cristo era um deus, ainda
que negassem sua genuína divindade, torcem o texto para significar que foi Deus
quem cegou o entendimento deste mundo. Crisóstomo, mais tarde, seguiu esta
tradução a fim de não propiciar aos maniqueus sua visão dualística de dois princípios
primários. Por que Ambrosio também a aceitou não fica claro, mas a razão de
Agostinho foi a mesma de Crisóstomo, porque ele também foi envolvido na disputa
com os maniqueus. Este é um clássico exemplo do que pode suceder no calor de
uma controvérsia, porque, se todos aqueles homens tivessem lido as palavras de
Paulo com uma mente tranqüila e isenta, jamais teria ocorrido que viessem a
torcer tal texto para que o seu significado fosse assim forçado. Mas, ao serem
duramente pressionados por seus oponentes, ficaram mais ansiosos em refutá-los
do que em explicar Paulo.
Porém, que necessidade havia para tal ansiedade? Era
um subterfúgio infantil, porque os arianos argumentavam que, em razão de o
diabo ser chamado de deus deste mundo, a palavra Deus, aplicada a Cristo, não
expressa a verdadeira, eterna e única divindade. Paulo diz alhures que
"muitos são chamados deuses" (1 Co 8.5), e Davi declara que "os
deuses das nações são demônios" (SI 96.5). Portanto, quando o diabo é
chamado deus em razão de ele ter domínio sobre os homens e ser adorado por eles
no lugar de Deus, como pode isto detrair de alguma forma a dignidade de Cristo?
Enquanto que, para os maniqueus, este título não empresta qualquer feição ao
seu ponto de vista mais do que quando o diabo é chamado o príncipe deste mundo.
Assim, não há razão por que devemos ter receio de interpretar esta passagem
como aplicável ao diabo, porque isso pode ser feito sem qualquer risco.
Porque, se os arianos sustentam
que a essência divina de Cristo não pode ser provada em ser-lhe dado o nome de
Deus não mais do que a essência divina de Satanás pode ser provada em ser ele
chamado um deus, esta tergiversação é facilmente resolvida. Pois Cristo é chamado
Deus absolutamente sem qualquer frase qualificativa, e ele ainda é chamado
"Deus bendito para sempre". Ele é chamado Deus que existiu desde
antes da criação do mundo. Todavia, o diabo é chamado o deus deste mundo
exatamente na mesma forma como baal é chamado o deus daqueles que o adoram, ou
o cão é chamado o deus do Egito. Os maniqueus, em defesa de seus pontos de
vista pervertidos, como já expus, dependem de outras passagens da Escritura,
além desta, porém não é difícil, tampouco, refutá-los.
O seu argumento não se
restringe ao nome do diabo, mas se estende ao seu poder. Em razão de ser
atribuído a Satanás poder de cegar e domínio sobre os crentes, então deduzem
que ele, por sua própria habilidade, é o autor de todo o mal, de modo que não
está sujeito ao comando de Deus - como se a Escritura, em muitos passos, não
chamasse os demônios de ministros de Deus, tanto quanto o são os anjos
celestiais, ainda que num sentido mui diverso. Pois assim como os anjos
celestiais são ministros das bênçãos de Deus para a nossa salvação, também os
demônios executam a Sua ira. Portanto, os anjos celestiais são chamados
principados e poderes, mas só porque exercem o poder que Deus lhes conferiu. Da
mesma forma, Satanás é o príncipe do mundo, não porque tenha ele conferido a si
mesmo esse poder principesco ou obtido o mesmo por seu próprio direito ou seja
capaz de exercê-lo por sua própria vontade, mas ele o possui só até onde o
Senhor lho permite. Assim a Escritura não só menciona o bom Espírito de Deus e
os bons anjos, mas também menciona as maus espíritos de Deus. Assim temos em 1
Samuel 16.14: "Tendo-se retirado de Saul o Espírito do Senhor, da parte deste
um espírito maligno o atormentava." Bem como em Salmo 78.49 lemos
do castigo infligido pela instrumentalidade de "anjos portadores de
males".
Voltando à passagem em pauta,
cegar os incrédulos é uma obra comum a Deus e a Satanás, mas o poder que cada
um deles possui não é o mesmo, nem a mesma a maneira como é ele funciona. Ainda
não disse nada sobre a maneira, mas a Escritura ensina que Satanás cega os
homens não só com a permissão de Deus, mas sob seu comando, para aplicar sua
vingança. Assim, cabe foi enganado por
Satanás (1 Rs 22.21), porém Satanás não podia ter feito isto de moto próprio.
Tendo oferecido seus préstimos a Deus para fazer o mal, ele foi enviado para
ser um espírito mentiroso na boca de todos os profetas (1 Rs 22.22). Portanto,
diz-se que Deus é quem cega os homens, porque, tendo-nos privado do correto uso
de nossas mentes, e da luz de seu Espírito, ele nos entrega ao diabo para nos
reduzir a um estado mental reprovável e lhe dá o poder de nos iludir e assim
infligir justa vingança sobre nós através do ministério de Sua ira.
Portanto, Paulo está querendo
dizer que todo aquele que não reconhece que o seu ensino é a pura verdade de
Deus, está possuído do diabo, porque é mais duro chamá-lo de escravo do diabo
do que atribuir a sua cegueira ao juízo de Deus. Um pouco antes ele julgara
tais pessoas como dignas de destruição, e agora acrescenta que a única razão
por que estão perecendo é que por sua própria descrença trouxeram ruína sobre
si mesmas.

20 março, 2010
0 Glória e Desonra - João Calvino -
Por
glória e por desonra. (2Co 6.8) - Esta não é uma pequena prova
para um homem suportar, pois não há nada mais difícil para uma pessoa de
caráter consistente do que incorrer em desprestígio. Da história podemos
divisar que houve poucos homens de espírito heróico que não se desmoronaram ao
serem atingidos pelos insultos. Portanto, este é um sinal de um espírito bem
estabelecido na virtude - não desviar-se de seus propósitos, sempre que se
incorra em desventura vexatória. Esta é uma raríssima excelência, e sem ela um
homem não pode provar a si mesmo que é um servo de Deus. Indubitavelmente,
devemos ter em estima o nosso próprio bom nome, todavia só ao ponto em que tal
coisa é consistente com a edificação de nosso irmão, e não com a extensão da
influência cau¬sada pelos rumores que podem circular contra nós, pois devemos
antes conservar o mesmo curso imperturbavelmente, quer quando honrados, quer
quando desonrados.
Porque
Deus permite sermos provados ainda mesmo pela maldição de pessoas ímpias para
provar se estamos andando em retidão, e se porventura não somos servos de
homens, pois aquele que é desviado de seu dever, pela maldade dos homens,
apenas prova que não tem olhado tão-somente para Deus. Assim, pois, percebemos
como Paulo estava sempre exposto à infâmia e aos insultos, todavia não se
desvanecia ante qualquer um deles, mas prosseguia em frente movido por inusitada
coragem, rompendo todos os obstáculos a fim de atingir o alvo; portanto, que
não nos desanimemos se as mesmas coisas vierem ao nosso encontro.
Como
enganadores. Paulo, aqui, não está falando meramente do que
os ímpios do lado de fora pensavam dele, senão que está reportando a acusações
que se moviam contra ele dentro da igreja. Qualquer um pode ver, aqui, a
atitude indigna de ingratidão a que os coríntios caíram, e a que gigantescas
lutas um homem valente como Paulo enfrentava contra obstáculos tão formidáveis.
Ele repele de forma veemente, ainda que indiretamente, as acusações equivocadas
de seus oponentes, ao dizer que vivia e se alegrava mesmo que o desprezassem
como se estivesse morto e vencido pelo desânimo. Ele os reprova novamente por
sua ingratidão ao afirmar que, quando era desprezado por ser pobre, ele lutava
para que muitos se tornassem ricos. Viviam entre os coríntios muitos que tinham
sido enriquecidos pelas riquezas de Paulo, e de fato cada um deles estava
obrigado de várias formas para com ele. Paulo dizia com a mesma ironia de sempre
que era desconhecido, quando o fruto de seu trabalho era muitíssimo conhecido e
famoso por toda parte. Que ato cruel é desprezar a pobreza de alguém que nos
supre de sua própria abundância! Naturalmente que ele está falando de riquezas
espirituais, as quais precisam ser consideradas como sendo muito mais preciosas
que as riquezas terrenas.

19 março, 2010
0 Tristeza Segundo Deus - João Calvino
Não porque fostes
entristecidos. O que Paulo está dizendo é que ele não se
deleitava no sofrimento dos coríntios, e se lhe fosse dado escolher, tentaria,
ao mesmo tempo, promover o seu bem-estar e a sua felicidade; porém, visto que
lhe falta alternativa, o seu bem-estar lhe era de pouca importância, visto que
ele se alegrava no fato de que fostes entristecidos para arrependimento. Há médicos que são
amáveis e leais, porém, em certas ocasiões, têm de portar-se com severidade, e
até mesmo com crueldade, com seus clientes. Paulo diz que não é homem de
empregar remédios dolorosos, a não ser que seja necessário. Mas, visto que sua
experiência com a cura por meios rudes provou ser bem sucedida, então ele se
congratula com tal expediente. Eleja usou uma forma muito semelhante de
expressão em 5.4: "Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos
angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal
seja absorvido pela vida."
Tristeza de Deus. A fim
de entendermos o que significa
"tristeza de, ou segundo Deus", precisamos observar como Paulo
contrasta isto com o seu oposto -
"a tristeza do mundo". Devemos considerar também o mesmo
contraste entre duas espécies de alegria. Há a alegria do mundo, na qual os
homens, em seus desatinos e sem qualquer reverência para com Deus, se deleitam
nas coisas ilusórias deste mundo e se embriagam com os seus deleites transitórios, de tal maneira que de nada mais
cuidam senão das coisas terrenas. Por outro lado, há a alegria segundo Deus,
alegria esta na qual os homens buscam em Deus toda a sua felicidade, se
deleitam em sua graça; e ao menosprezarem o mundo, realçam o fato de que ao
desfrutarem das prosperidades terrenas é como se delas não desfrutassem, e
mesmo na adversidade têm o seu coração iluminado.
Da mesma forma, a tristeza deste
mundo existe quando o coração humano se perturba em meio às aflições terrenas e
é submerso em pranto; mas a tristeza segundo Deus existe quando os homens elevam
seus olhos para Deus e consideram que a sua miséria consiste em serem eles
privados da graça divina, e, temendo o seu juízo, choram seus pecados. Paulo
afirma que este tipo de tristeza é a causa e a origem do arrependimento. Isto
precisa ser cuidadosamente observado porque, a menos que o pecador se aborreça
de si mesmo, de tal modo que odeie sua própria vida e, em profunda tristeza,
confesse seu pecado, ele jamais se converterá ao Senhor. Mas uma pessoa não
pode sentir este tipo de tristeza sem que experimente uma mudança de coração.
Assim, o arrependimento tem início com a tristeza, porque, como já disse,
ninguém pode tomar o caminho certo sem que primeiro odeie seu pecado, e onde
não existe ódio ao pecado também não pode haver auto-recriminação e tristeza.
Paulo nos apresenta uma belíssima descrição de arrependimento quando diz que
esse arrependimento não traz nenhum pesar. Porque, por mais amargo possa ele
ser no primeiro teste, os resultados benéficos que fluem dele o fazem
desejável. A frase pode ser tomada como referindo-se à salvação antes que ao
arrependimento; porém, em minha opinião, ela se ajusta melhor ao arrependimento,
como se dissesse: "O resultado final nos ensina que esse tipo de tristeza
não nos deve ser penoso nem humilhante, porque, por mais amargo que seja o
arrependimento que nos domine, ele é denominado como sendo algo que não nos
traz nenhum pesar, em virtude do precioso e agradável fruto que ele produz.
Para
a salvação. Paulo parece estar fazendo do arrependimento a causa da salvação; e se assim fosse,
seguir-se-ia que somos justificados pelas obras. A minha resposta é que devemos
notar bem o ponto específico que Paulo discute aqui. Ele não se preocupa com a
causa da salvação, e, sim, apenas recomenda o arrependimento para realçar o
fruto que ele produz e para compará-lo ao caminho que conduz à salvação. E
assim o é. Cristo, deveras, nos chama por sua livre graça, porém nos chama para
o arrependimento; e Deus perdoa os nossos pecados gratuitamente, mas somente
quando os renunciamos. Deus opera em nós ambas as coisas, concomitantemente, de
modo que somos tanto renovados por meio do arrependimento e libertados da
escravidão do pecado, como também somos justificados por meio da fé e
libertados da maldição que o pecado gera. Estes são os inseparáveis dons da
graça, e em razão dos invariáveis laços que existem entre eles, o arrependimento
pode correta e adequadamente ser chamado o início do caminho que conduz à
salvação, porém mais como acompanhamento do que como causa. Este argumento não
é uma evasiva sutil, mas uma simples explicação da dificuldade, pois enquanto a
Escritura ensina que jamais obtemos o perdão de nossos pecados sem o
arrependimento, concomitantemente ensina, em muitos lugares, que a única base
de nosso perdão é a misericórdia divina.

18 março, 2010
0 Não estais na Carne - João Calvino
Vós, porém, não estais na carne
(Rm 8.9,10). O apóstolo aplica, hipoteticamente, uma
verdade geral àqueles a quem está escrevendo, não meramente com o intuito de
influenciá-los mais poderosamente, dirigindo seu discurso particularmente a
eles, mas também visando a que sua definição, a eles apresentada, os conduzisse
à inabalável conclusão de que de fato pertenciam ao número daqueles de quem
Cristo removera a maldição [procedente] da lei. Ao mesmo tempo, contudo, ele os
exorta a que cultivassem uma nova vida, explicando que o poder do Espírito de
Deus está presente nos eleitos, e que esse poder produz seus frutos.
Se de fato o Espírito de Deus
habita em vós. O apóstolo adiciona uma correção apropriada a
fim de despertá-los para um exame mais detido de si mesmos, para que não se
deixassem levar por falsas pretensões em nome de Cristo. A marca mais garantida
pela qual os filhos de Deus devem distinguir-se dos filhos deste mundo é a
regeneração operada neles pelo Espírito de Deus para sua inocência e santidade.
Seu propósito, contudo, não é tanto corrigir a hipocrisia quanto sugerir as
razões para gloriar-se contra os absurdos daqueles que são conhecidos como
zelosos pela lei, que consideravam a letra morta como sendo de mais importância
do que o poder interno do Espírito, o mesmo que comunica vida à lei.
Esta passagem também nos ensina
que, pelo termo espírito Paulo não chegou ainda ao ponto de significar a mente
ou o entendimento que os advogados do livre-arbítrio denominam como sendo a
parte superior da alma, mas, sim, o dom celestial. Ele explica que aqueles a
quem Deus governa pelo seu Espírito é que são espirituais, e não aqueles que
obedecem à razão seguindo seus próprios impulsos. Não significa, contudo, que
vivem eles 'segundo o Espírito' por se acharem plenificados com o Espírito de
Deus (o que hoje não sucede a ninguém), mas porque possuem o Espírito como habitante
neles, mesmo que sejam encontrados neles ainda alguns resíduos da carne. O
Espírito, contudo, não pode habitá-los sem exercer soberania sobre suas
faculdades. Deve-se notar que o homem é designado desde a parte principal de
sua natureza.
E se alguém não tem o Espírito
de Cristo, esse tal não é dele. Ele adiciona este elemento com
o fim de mostrar quão necessário é que os cristãos neguem a carne. O domínio do
Espírito consiste na abolição da carne. Aqueles em quem o Espírito não reina
não pertencem a Cristo; portanto, aqueles que servem à carne não são cristãos,
pois os que separam Cristo de seu Espírito fazem dele uma imagem morta, ou um
cadáver. Devemos ter sempre em mente o conselho do apóstolo, ou seja: que a
graciosa remissão de pecados não pode ser desmembrada do Espírito de
regeneração. Tal coisa seria o mesmo que fazer Cristo em pedaços.
Se tal coisa é verdadeira,
então é estranho que sejamos acusados pelos adversários do evangelho como sendo
arrogantes, visto que ousamos confessar que o Espírito de Cristo habita em nós.
Na verdade devemos, ou negar a Cristo, ou então confessar que fomos feitos
cristãos por intermédio de seu Espírito. E deveras espantoso ouvir que os
homens tenham se apartado tanto da Palavra do Senhor, que não só se vangloriam
de ser cristãos sem o Espírito de Deus, mas também ridicularizam a fé daqueles
que o têm. E a despeito de tudo, esta é precisamente a filosofia dos papistas.
Chamamos a atenção de nossos
leitores para que observem aqui o fato de que o Espírito é às vezes referido
como o Espírito de Deus o Pai e às vezes como o Espírito de Cristo, sem
qualquer distinção. Este fato não se deve apenas porque toda a sua plenitude
foi derramada sobre Cristo como nosso Mediador e Cabeça, de maneira que cada um
de nós pode agora receber dele sua própria porção, mas também porque o mesmo
Espírito é comum ao Pai e ao Filho, o qual é com eles de uma só essência e
possui a mesma Deidade eterna. Entretanto, visto não termos comunicação com
Deus a não ser por meio de Cristo, o apóstolo sabiamente desce do Pai a Cristo,
pelo fato de haver entre o Pai e nós uma grande distância.
E
se Cristo está em vós. Ele agora aplica a Cristo suas prévias
afirmações concernentes ao Espírito, com o fim de significar a maneira como
Cristo habita em nós. Pois assim como pelo Espírito ele nos sacraliza como
templos particularmente seus, também, pelo mesmo Espírito, ele nos habita. O
apóstolo agora explica mais distintamente o que já aludimos, ou seja: que os
filhos de Deus não são tidos como espirituais com base em uma perfeição plena e
final, mas somente em razão da nova vida que teve início neles. Ele aqui
antecipa uma dúvida, que de outra forma poderia causar-nos preocupação, ou
seja: embora o Espírito possua parte de nós, não obstante vemos outra parte
sendo ainda retida pela morte. Ele responde, dizendo que há no Espírito de
Cristo o poder vivificante que é capaz de absorver nossa mortalidade. E conclui
deste fato que devemos esperar com paciência até que os resíduos do pecado
sejam por fim inteira e finalmente abolidos.
Que os leitores se lembrem de
que mencionamos o fato de que o termo Espírito não significa a alma, e, sim, o
Espírito de regeneração. O apóstolo diz que este Espírito de regeneração é
vida, não só porque ele vive e esplende em nós, mas também porque nos vivifica
pelo seu poder, até que destrua nossa carne mortal, e por fim nos renove em
plena perfeição. Em contrapartida, também o termo corpo significa a massa
estólida ainda não purificada pelo Espírito de Deus daquelas poluições
terrenas, as quais satisfazem somente o que é bruto. De outra forma, seria
absurdo atribuir ao corpo a culpa pelo pecado. Além disso, a alma está longe de
ser vida, pois que nem por si mesma tem vida. Portanto, o que o apóstolo quer
dizer é que, embora o pecado nos condene à morte, enquanto que a corrupção de
nossa primeira natureza ainda permanece em nós, todavia o Espírito de Deus é
vitorioso. Não constitui um obstáculo que apenas as primícias nos tenham sido
concedidas, porquanto uma só fagulha do Espírito basta para ser uma semente de
vida.

17 março, 2010
0 Adoração e alegria - João Calvino
Acaso,
não está destruído o mantimento diante dos vossos olhos? E, da casa do nosso
Deus, a alegria e o regozijo? (Jl 1.16)
Aqui o profeta censura a
loucura dos judeus por não perceberam os fatos diante dos próprios olhos. Por
isso lhes diz que estavam cegos em plena luz e que a visão deles era tal, que
vendo, nada viam: eles, por certo, deveriam ter-se afligido quando a escassez
alcançou até mesmo o templo. Visto que Deus ordenara que as primícias lhe
fossem ofertadas, o templo deveria certamente ser honrado com os devidos
sacrifícios; e ainda que os mortais pereçam uma centena de vezes por causa da
fome e da escassez, Deus não deveria ser defraudado no seu direito.
O profeta acrescenta depois que
a alegria e o regozijo tinham sido tirados, pois Deus ordenou aos judeus que
viessem ao templo para dar graças e se reconhecerem abençoados, porque o Senhor
escolhera a sua habitação entre eles. É por isso que Moisés repete tantas vezes
esta expressão: “vos alegrareis perante o SENHOR”. Ao falar assim, Deus
pretendia animar muitíssimo o povo a vir alegremente ao templo. É como se ele
dissesse: “Certamente não necessito da
vossa presença, mas desejo pela minha presença fazer-vos alegres”. Mas
agora que cessou a adoração a Deus, o profeta diz que a alegria também foi
abolida, pois os judeus não poderiam dar graças a Deus com alegria enquanto a
maldição divina estivesse diante dos olhos deles.
Oração
Concede, ó Deus onipotente, que
do modo como nos vês cercados pelas fraquezas da nossa carne, e assim mantidos,
e parecendo esmagados pelos cuidados terrenos a ponto de quase não podermos
ergue nosso coração e mente a ti; — ó concede que despertados pela tua palavra
e advertências diárias percebamos finalmente os nossos males e não aprendamos
somente com os açoites que nos infligiste, mas que também convoquemos a nós
mesmos em juízo, examinemos nosso coração e cheguemos portanto à tua presença,
sendo nossos próprios juízes; de maneira que antecipemos o teu desprazer e
assim alcancemos a misericórdia que prometeste a todos que, voltando-se somente
para ti, buscam aplacar a tua ira e também esperam pelo teu favor, mediante o
nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page
devotions with selected prayers on facing pages.
Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d.
Pags. 30 e 31.Tradução: Marcos Vasconcelos, julho/2009.mjsvasconcelos@gmail.com

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João Calvino
16 março, 2010
0 Pecado e castigo - João Calvino
Mui profundamente se
corromperam, como nos dias de Gibeá. O Senhor se lembrará das suas injustiças e
castigará os pecados deles. Os 9.9
Neste versículo, Oséias declara
que o povo estava tão mergulhado nos próprios vícios que não poderia ser puxado
para fora deles. Aquele que caiu pode se levantar, se alguém lhe estender a
mão; o que luta para sair do lamaçal pisará de novo em terra firme, se achar
quem o socorra. Mas não há esperança de resgate para quem é lançado na voragem.
Estendo minhas mãos inutilmente àquele que submerge num naufrágio e é tragado
por imenso redemoinho. Portanto, aprendamos a nos reerguer, mas antes prestemos
atenção quando o profeta diz que os israelitas estavam profundamente submersos,
porque é preciso estar cheios de desprezo por Deus para afundar desse jeito.
Assim, estimulemo-nos dia a dia ao arrependimento e conservemo-nos zelosamente
alertas para não cairmos nesse sorvedouro colossal. Saibamos que muito se
enganam os indulgentes consigo mesmos, enquanto o Senhor suportar-lhes
misericordiosamente os pecados, pois embora ele reprima o seu desprazer por um
tempo, no instante oportuno se lembrará deles e manifestará isso
infligindo-lhes o justo castigo.
Oração
Concede, ó Deus onipotente,
que, assim como refulgiste em nós pela tua Palavra, não sejamos cegos ao
meio-dia nem busquemos voluntariamente as trevas, para assim induzirmos nossa
mente a dormir. Antes sejamos despertados diariamente pelas tuas palavras e nos
estimulemos mais e mais a temer o teu nome, para oferecermos a ti como
sacrifício, tanto nós mesmos como todos os nossos anseios, de maneira que nos
governes em paz e habites perpetuamente em nós, até que sejamos recolhidos à
tua habitação celestial, onde nos estão reservados repouso e glória eternos,
mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.
Devotions and prayers of John
Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages.
Org. Charles E. Edwards. Old Paths
Gospel Press. S/d.
Pags. 20 e 21. Tradução: Marcos
Vasconcelos, junho/2009.mjsvasconcelos@gmail.com

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15 março, 2010
0 Eleito para ser Santo - João Calvino
Assim como nos elegeu nele (Ef
1.4). Aqui, o apóstolo declara que a eterna eleição divina é o
fundamento e causa primeira, tanto de nosso chamamento como de todos os
benefícios que de Deus recebemos. Se se nos pede a razão por que Deus nos
chamou a participar do evangelho, por que diariamente ele nos concede bênçãos
em grande profusão, por que ele nos abre os portões celestiais, teremos sempre
que retroceder a este princípio, ou seja: que Deus nos elegeu antes que o mundo
viesse à existência. O próprio tempo da eleição revela que ela é gratuita;
pois, o que poderíamos merecer, ou em que consistiria o nosso mérito, antes que
o mundo fosse criado? Pois quão pueril é o raciocínio sofistico, o qual afirma
que não fomos eleitos porque já éramos dignos, e, sim, porque Deus previra que
seríamos dignos. Todos nós estamos perdidos em Adão; portanto, Deus não poderia
ter-nos salvo de perecermos por meio de sua própria eleição, se não havia nada
para ser previsto. O mesmo argumento é usado em Romanos, onde, ao falar de Jacó
e Esaú, diz ele: "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham
praticado o bem ou o mal" [Rm 9.11]. Embora, porém, eles ainda não
tivessem agido, algum sofista da Sorbonne poderia replicar: "Deus previra
o que eles poderiam fazer." Tal objeção não possui força alguma à luz da
natureza corrupta do homem, em quem nada pode ser visto senão matérias para a
destruição.
Ao acrescentar: em Cristo,
estamos diante da segunda confirmação da soberania da eleição. Porque, se somos
eleitos em Cristo, tal fato se encontra fora de nós próprios. Isso não tem por
base nosso merecimento, e, sim, porque nosso Pai celestial nos enxertou,
através da bênção da adoção, no Corpo de Cristo. Em suma, o nome de Cristo
inclui todo mérito, bem como tudo quanto os homens possuem de si próprios; pois
quando o apóstolo diz que somos eleitos em Cristo, segue-se que em nós mesmos
não existe dignidade alguma.
Para que pudéssemos ser santos. O
apóstolo indica o propósito imediato, não, porém, o principal. Pois não existe
qualquer absurdo em supor-se que uma coisa possua dois objetivos. O propósito
em realizar uma construção é para que haja uma casa. Esse é o alvo imediato.
Mas a conveniência de se habitar nela é o alvo último. Era necessário
mencionar-se isso de passagem; pois Paulo de imediato menciona outro alvo - a glória
de Deus. Todavia, não há nenhuma contradição aqui. A glória de Deus é a
finalidade mais elevada, à qual a nossa santificação está subordinada.
Desse fato inferimos que a
santidade, a inocência, e assim toda e qualquer virtude que porventura exista
no homem, são frutos da eleição. E assim uma vez mais Paulo expressamente põe
de lado toda e qualquer consideração de mérito [humano]. Se Deus houvera
previsto em nós tudo o que porventura fosse digno de eleição, então se diria
precisamente o contrário.
Pois a intenção de Paulo é que
toda a nossa santidade e inocência de vida emanam da eleição divina. Como
explicar, pois, que alguns homens são piedosos e vivem no temor do Senhor,
enquanto que outros se entregam sem reservas a toda espécie de perversidade? Se
Paulo merece credibilidade, a única razão é que os últimos conservam sua
disposição natural, enquanto que os primeiros foram eleitos para a santidade.
Certamente que a causa não segue o efeito, e portanto a eleição não depende da
justiça que vem das obras, a qual Paulo declara aqui ser a causa.
Além do mais, nessa cláusula
ele quis dizer que a eleição não abre as portas à licenciosidade, como que
dando aos ímpios ocasião a que blasfemem e digam: "Vivamos da maneira que
nos agrade, pois se já fomos eleitos, é impossível que venhamos a
perecer." O apóstolo está afirmando-lhes claramente que é uma atitude
ímpia dissociar a santidade de vida da graça da eleição; porquanto Deus chama e
justifica a todos aqueles a quem ele elegeu. É igualmente sem fundamento a
inferência que os cataristas, os celestinos e os donatistas extraíram destas
palavras, ou seja: que nos é impossível atingir a perfeição nesta vida. Esse é
o alvo em direção ao qual devemos manter todo o curso de nossa vida; nunca,
porém, o atingiremos até que nossa corrida haja terminado. Onde estão os homens
que se espantam e evitam a doutrina da predestinação como sendo um confuso
labirinto, que a reputam como sendo inútil e mesmo quase nociva? Nenhuma
doutrina é mais útil e proveitosa quando utilizada de forma adequada e sóbria,
ou seja, como Paulo o faz aqui, ao apresentar ele a consideração da infinita
munificência de Deus e estimular-nos a render graças. Essa é a legítima fonte
da qual devemos extrair nosso conhecimento da misericórdia divina. Se os homens
usassem um outro argumento, a eleição fecharia sua boca, para que não se
atrevam e não reivindiquem nada para si próprios. Lembremo-nos, porém, do
propósito para o qual Paulo discute a predestinação, a fim de que, arrazoando
com algum outro objetivo, não sigamos arriscadamente algum desvio.
Diante dele em amor.
Santidade, aos olhos de Deus, tem a ver com uma consciência pura; pois Deus não
é enganado, à semelhança dos homens, pela pretensão externa; ele, porém, olha
para a fé, ou seja, para a veracidade do coração. Se você atribuir a Deus a
palavra 'amor', então significa que a única razão pela qual ele nos elegeu foi
o seu amor pela humanidade. Prefiro, porém, considerar o amor à luz da última
parte do versículo, ou seja: que a perfeição dos crentes consiste no amor; não
que Deus requeira somente amor, mas que ele é uma evidência do temor de Deus e
da obediência a toda a lei.

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