31 dezembro, 2010
0 Chamados com Santa Vocação – João Calvino
2
Timóteo 1.9,10.
Que
nos salvou. Pela visão da grandeza da bênção, o apóstolo
demonstra o quanto devemos a Deus, porque a salvação que ele nos outorgou
facilmente absorve todos os males que suportamos neste mundo. O termo,
'salvou', ainda que seu significado seja de caráter geral, aqui, neste contexto,
refere-se somente à salvação eterna. Seu significado consiste em que não haviam
recebido através de Cristo nenhum livramento passageiro e transitório, e, sim,
uma salvação eterna, e desse modo se revelariam extremamente ingratos, caso
valorizassem sua vida fugaz, ou sua reputação, em vez de reconhecê-lo como seu
Redentor.
E
nos chamou com santa vocação. Ele faz de nossa vocação o
selo infalível de nossa salvação. Pois como a salvação foi consumada na morte
de Cristo, assim Deus nos faz partícipes dela através de Cristo. Para
magnificar essa vocação ainda mais, ele a qualifica de santa. Tal fato deve ser
cuidadosamente observado, pois assim como temos de buscar a salvação
exclusivamente em Cristo, ele também teria morrido em vão e a troco de nada
caso não nos chamasse para participarmos desta graça. Portanto, mesmo depois de
haver, com sua morte, nos granjeado a salvação, uma segunda bênção resta ser
outorgada, a saber: que ele nos uniria em seu Corpo e nos comunicaria seus
benefícios a fim de desfrutarmo-los.
Não
segundo nossas obras. Ele agora chama a atenção para a fonte, quer de
nossa vocação, quer de nossa salvação total. Não possuímos obras que sejam
capazes de tomar a iniciativa em lugar de Deus, de modo que a nossa salvação
depende absolutamente de seu gracioso propósito e eleição. Em ambos os termos -
'propósito' e 'graça' - há uma hipálage (* Hipálage: "Figura de linguagem
em que se dá realce a um determinante, associando-o a um termo que não é,
logicamente, o seu correspondente detemiinado, assim se criando um sintagma
inesperado. Ex.: 'o mistério hebreu das vozes dos profetas' (Guimarães,
Poesias, 316), em vez de -o mistério das vozes dos profetas hebreus." -J.
Mattoso Câmara Jr., Dicionário de Lingüística egramática, p. 137; 1977, Editora
Vozes Ltda. [Nota do tradutor].), de modo que o segundo termo é considerado um
adjetivo - "segundo o seu gracioso propósito". Ainda que Paulo
geralmente use o termo 'propósito' no sentido de "o decreto secreto de
Deus", o qual depende exclusivamente dele, o apóstolo, aqui, decide
adicionar 'graça' com o fim de tornar sua tese ainda mais explícita e poder
excluir completamente toda e qualquer referência às obras. A antítese, neste
versículo, por si só é suficiente para deixar completamente claro que não há
espaço algum para as obras onde reina a graça de Deus, especialmente quando
somos lembrados da eleição divina, através da qual ele antecipou eleger-nos
antes que viéssemos à existência. O mesmo tema é discutido mais amplamente em
conexão com Efésios 1, e no momento toco nele mui de leve, já que o discuto
mais amplamente ali.
A qual nos foi dada. Partindo
da ordem do tempo, ele conclui que a salvação nos foi outorgada pela graça
soberana, já que nada fizemos de antemão para merecê-la. Pois se Deus nos elegeu
antes da fundação do mundo, então ele não poderia ter levado em conta obra
alguma de nossa parte, porquanto nenhuma ainda existia e nós mesmos ainda não
existíamos. A evasão sofistica, de que Deus fora influenciado pelas obras que
previra, não demanda uma longa resposta. Que espécie de obras teriam sido
essas, se Deus nos havia rejeitado, visto que a eleição propriamente dita é a
fonte e origem de todas as coisas boas? Esse 'dar graças' de que ele faz
menção, outra coisa não é senão a predestinação, pela qual fomos adotados como
filhos de Deus. Gostaria que meus leitores se lembrassem disso, pois amiúde se
diz que Deus nos 'dá7 sua graça somente quando ela começa a operar eficazmente
em nós. Aqui, porém, Paulo está tratando daquilo que Deus determinou consigo
mesmo desde o princípio; portanto, o que ele deu às pessoas que nem ainda
existiam é algo que fica completamente fora de qualquer consideração meritória,
e o conservou em seus tesouros até chegar o tempo em que pudesse trazê-lo a
lume pelo resultado de que Deus nada determina em vão.
Tanto aqui quanto em Tito 1, o
apóstolo chama a interminável série de anos, desde a fundação do mundo [Tt
1.2], de tempos eternos. A engenhosa discussão sobre este assunto, que
Agostinho suscita em muitas passagens, é estranha ao pensamento de Paulo; o que
este quer dizer é simplesmente isto: "antes que os tempos iniciassem sua
trajetória, desde todas as eras passadas." Além do mais, é digno de nota o
fato de ele colocar Cristo como o único fundamento da salvação, porque fora
dele não há nem adoção nem salvação para ninguém, como diz ele em Efésios 1.
Mas
que agora se manifestou. Note-se quão apropriadamente ele conecta
a fé que recebemos do evangelho com a eleição secreta de Deus, e designa a cada
uma o seu próprio lugar. Deus nos chamou pela proclamação do evangelho, não
porque repentinamente tivesse consciência de nossa salvação, mas porque ele
assim o determinou desde toda a eternidade. Cristo agora se manifestou para
essa salvação; não porque o poder de salvar lhe tenha sido recentemente
conferido, mas porque essa graça nos foi guardada nele antes da criação do
mundo. O conhecimento dessas coisas nos foi revelado pela fé. E assim, o
apóstolo sabiamente conecta o evangelho com as mais antigas promessas de Deus,
para que sua suposta novidade não o expusesse ao desprezo.
Suscita-se, porém, a indagação,
se tudo isso foi ocultado dos pais que viveram sob o regime da lei; pois se a
graça só foi revelada no advento de Cristo, então conclui-se que antes ela
estava oculta. Respondo que Paulo está falando da plena manifestação da
realidade propriamente dita, sobre a qual os pais também edificaram sua fé, de
modo que isso não os priva da realidade. Eis a razão por que Abel, Noé, Abraão,
Moisés, Davi e todos os santos obtiveram a mesma salvação que obtivemos, pois
também eles depositaram sua fé na manifestação [futura] de Cristo. Ao dizer que
a graça nos foi revelada mediante a manifestação de Cristo, o apóstolo não
exclui os pais da participação nela, pois a mesma fé os fez partícipes conosco
nessa manifestação. O Cristo de ontem é o mesmo de hoje [Hb 13.8], mas que não
se manifestara mediante sua morte e ressurreição antes do tempo prefixado pelo
Pai. Nossa fé e a de nossos pais sempre olham para o mesmo ponto, porque neste
fato jaz a única garantia e consumação de nossa salvação.
O
qual aboliu a morte. Pelo fato de atribuir ao evangelho a
manifestação da vida, o apóstolo não quer dizer que ela tenha sua origem na
Palavra sem referência alguma à morte e ressurreição de Cristo, posto que o
poder da Palavra repousa no assunto que ela contém; ao contrário, ele quer
dizer que a única maneira pela qual o fruto dessa graça pode chegar até aos
homens é através do evangelho, como expressou em 2 Coríntios 5.19: "Deus
estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação." É uma
notável e memorável recomendação do evangelho, que seja ele denominado o meio
pelo qual a vida se manifesta.
A Vida' ele adiciona imortalidade, querendo dizer: "uma
vida genuína e imortal", a menos que o leitor prefira considerar vida no
sentido de regeneração, à qual segue a bem-aventurada imortalidade que é ainda
o objeto da esperança. Pois nossa vida não consiste do que temos em comum com
as bestas brutas; ao contrário, consiste de nossa participação na imagem de
Deus. Visto, porém, que a natureza e valor genuínos dessa vida não aparecem
neste mundo [1 Jo 3.2], para explicá-la ele acrescentou oportunamente a
imortalidade, a qual é a revelação dessa vida que ora está oculta.

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17 dezembro, 2010
0 Deus do Início ao Fim – João Calvino
Porquanto
aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E
aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também
justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou ( Rm 8. 28,29)
29.
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou. Paulo mostra,
portanto, pela própria ordem da eleição, que todas as aflições dos crentes são
simplesmente os meios pelos quais são identificados com Cristo. Ele previamente
declarara a necessidade disto. As aflições, portanto, não devem ser um motivo
para nos sentirmos entristecidos, amargurados ou sobrecarregados, a menos que
também reprovemos a eleição do Senhor, pela qual fomos predestinados para a
vida, e vivamos relutantes em levar em nosso ser a imagem do Filho de Deus, por
meio da qual somos preparados para a glória celestial. O conhecimento
antecipado de Deus, mencionado aqui pelo apóstolo, não significa mera
presciência, como alguns neófitos tolamente imaginam, mas significa, sim, a
adoção, pela qual o Senhor sempre distingue seus filhos dos réprobos. Neste
sentido, Pedro diz que os crentes foram eleitos para a santificação do Espírito
segundo a presciência divina [1 Pedro 1:2]. Aqueles, pois, a quem me refiro
aqui, tolamente concluem que Deus não elegeu a ninguém senão àqueles a quem
previu que seriam dignos de sua graça. Pedro não incensa os crentes como se
fossem todos eles eleitos segundos seus méritos pessoais, senão que, ao
remetê-los ao eterno conselho de Deus, declara que estão todos inteiramente
privados de qualquer dignidade. Nesta passagem, Paulo também reitera, em outras
palavras, as afirmações que já havia feito concernentes ao propósito divino.
Segue-se disto que este conhecimento depende do beneplácito divino, visto que,
ao adotar aqueles a quem ele quis, Deus não teve qualquer conhecimento
antecipado das coisas fora de si mesmo, senão que destacou aqueles a quem
propôs eleger.
O verbo proorizw
[proorizo], o qual é traduzido por predestinar, aponta para as circunstâncias
desta passagem em pauta. O apóstolo quer dizer simplesmente que Deus
determinara que todos quantos adotasse levariam a imagem de Cristo. Não diz
simplesmente que deveriam ser conformados a Cristo, e, sim, à imagem de Cristo,
com o fim de ensinar-nos que em Cristo há um vivo e nítido exemplo que é posto
diante dos filhos de Deus para que imitem. A súmula da passagem consiste em que
a graciosa adoção, na qual nossa salvação consiste, é inseparável deste outro
decreto, a saber: que ele nos designou para que levemos a cruz. Ninguém pode
ser herdeiro do reino celestial sem que antes seja conformado ao Filho
Unigênito de Deus.
A fim de que ele seja [ou,
fosse] o primogênito entre muitos irmãos. O infinitivo grego, einai
[einai], pode ser traduzido de outra forma, porém preferi esta. Ao chamar
Cristo de o primogênito, Paulo quis simplesmente expressar que, se Cristo
possui a preeminência entre todos os filhos de Deus, então, com razão, ele nos
foi dado como exemplo, de modo que não devemos recusar nada de tudo quando
agradou-lhe suportar. Portanto, o Pai celestial, a fim de mostrar, por todos os
meios, a autoridade e a excelência que conferiu a seu Filho, ele deseja que
todos aqueles a quem adota como herdeiros de seu reino vivam de conformidade
com o seu exemplo.
Embora a condição dos santos
difira na aparência (assim como há diferença entre os membros do corpo humano),
todavia há certa conexão entre cada indivíduo e sua cabeça. Como, pois, o
primogênito leva o nome da família, assim Cristo é colocado numa posição de
preeminência, não só para que sua honra seja enaltecida entre os crentes, mas
também para que ele inclua todos os crentes em seu seio sob o selo comum de
fraternidade.
30. E aos
que predestinou, a esses também chamou. Paulo agora emprega um clímax a fim de
confirmar, por meio de uma demonstração mais clara, quão verdadeiramente a
nossa conformidade com a humildade de Cristo efetua a nossa salvação. Daqui ele
nos ensina que a nossa participação na cruz é tão conectada com a nossa
vocação, justificação e, finalmente, nossa glória, que não podem ser
desmembradas.
A fim de que os leitores possam
melhor entender a intenção do apóstolo, é bom que se lembrem de minha afirmação
anterior, ou seja: que o verbo predestinar, aqui, não se refere à eleição, mas
ao propósito ou decreto divino pelo qual ordenou que seu povo levasse a cruz.
Ao ensinar-nos que agora são chamados, o apóstolo tencionava que Deus não
oculta mais o que determinara fazer com eles, mas que o revelou a fim de que
pudessem levar com equanimidade e paciência a condição a eles imposta. A
vocação, aqui, é distinguida da eleição secreta, como sendo inferior a ela.
Pode-se alegar que ninguém tem conhecimento algum da condição que Deus designou
a cada indivíduo. Portanto, para evitar isto, o apóstolo diz que Deus, através
de seu chamado, testifica publicamente de seu propósito oculto. Este
testemunho, contudo, não consiste só na pregação externa, mas tem também o
poder do Espírito conectado a ela, pois Paulo está tratando com os eleitos, a
quem Deus não só compele por meio de sua Palavra falada, mas também convence
interiormente.
A justificação, aqui, pode
muito bem ser entendida como que incluindo a continuidade do favor divino desde
o tempo da vocação do crente até sua morte. Mas, visto que Paulo usa esta
palavra ao longo da Epístola, no sentido da imerecida imputação da justiça, não
há necessidade de nos apartarmos deste significado. O propósito de Paulo é
mostrar que a compensação que nos é oferecida é por demais preciosa para
permitir-nos enfrentar com ânimo as aflições. O que é mais desejável que ser
reconciliado com Deus, de modo que nossas misérias não mais são sinais da
maldição divina, nem mais nos conduz à destruição?
O apóstolo acrescenta que
aqueles que se vêem oprimidos pela cruz serão glorificados pela cruz serão
glorificados, de modo que seus sofrimentos e opróbrios não lhes produzem dano
algum. Embora a glorificação só foi exibida em nossa Cabeça, todavia, visto que
agora percebemos nele a herança da vida eterna, sua glória nos traz uma
segurança tal de nossa própria glória, que a nossa esperança pode muito bem ser
comparada a uma possessão já presente.
Deve-se acrescentar ainda que o
apóstolo empregou um hebraísmo e usou o tempo passado dos verbos, em vez do
presente. O que ele pretende é, quase certo, um ato contínuo; por exemplo:
“Aqueles a quem Deus agora educa sob a cruz, segundo seu conselho, ele chama e
justifica, ato contínuo, para a esperança da salvação; de modo que, em sua
humilhação, não perdem nada de sua glória. Embora seus sofrimentos atuais a
deformem aos olhos do mundo, todavia, diante de Deus e dos anjos, ela está
sempre a brilhar em perene perfeição”. O que Paulo, pois, pretende mostrar, por
este clímax, é que as aflições dos crentes, as quais são a causa de sua atual
humilhação, têm como único propósito fazê-los entender que possuem a glória do
reino celestial e que vão alcançar a glória da ressurreição de Cristo, com quem
já se acham crucificados.

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12 dezembro, 2010
0 Santa Vocação - João Calvino
E
nos chamou com santa vocação. (2Tm 1.9) Ele faz de nossa
vocação o selo infalível de nossa salvação. Pois como a salvação foi consumada
na morte de Cristo, assim Deus nos faz partícipes dela através de Cristo. Para
magnificar essa vocação ainda mais, ele a qualifica de santa. Tal fato deve ser
cuidadosamente observado, pois assim como temos de buscar a salvação
exclusivamente em Cristo, ele também teria morrido em vão e a troco de nada
caso não nos chamasse para participarmos desta graça. Portanto, mesmo depois de
haver, com sua morte, nos granjeado a salvação, uma segunda bênção resta ser
outorgada, a saber: que ele nos uniria em seu Corpo e nos comunicaria seus
benefícios a fim de desfrutarmo-los.
Não
segundo nossas obras. Ele agora chama a atenção para a fonte, quer de
nossa vocação, quer de nossa salvação total. Não possuímos obras que sejam
capazes de tomar a iniciativa em lugar de Deus, de modo que a nossa salvação
depende absolutamente de seu gracioso propósito e eleição. Em ambos os termos -
'propósito' e 'graça' - há uma hipálage*, de modo que o segundo termo é
considerado um adjetivo - "segundo o seu gracioso propósito". Ainda
que Paulo geralmente use o termo 'propósito' no sentido de "o decreto
secreto de Deus", o qual depende exclusivamente dele, o apóstolo, aqui,
decide adicionar 'graça' com o fim de tornar sua tese ainda mais explícita e
poder excluir completamente toda e qualquer referência às obras. A antítese,
neste versículo, por si só é suficiente para deixar completamente claro que não
há espaço algum para as obras onde reina a graça de Deus, especialmente quando
somos lembrados da eleição divina, através da qual ele antecipou eleger-nos
antes que viéssemos à existência. O mesmo tema é discutido mais amplamente em
conexão com Efésios 1, e no momento toco nele mui de leve, já que o discuto
mais amplamente ali.
A
qual nos foi dada. Partindo da ordem do tempo, ele conclui que a
salvação nos foi outorgada pela graça soberana, já que nada fizemos de antemão
para merecê-la. Pois se Deus nos elegeu antes da fundação do mundo, então ele
não poderia ter levado em conta obra alguma de nossa parte, porquanto nenhuma
ainda existia e nós mesmos ainda não existíamos. A evasão sofistica, de que Deus
fora influenciado pelas obras que previra, não demanda uma longa resposta. Que
espécie de obras teriam sido essas, se Deus nos havia rejeitado, visto que a
eleição propriamente dita é a fonte e origem de todas as coisas boas? Esse 'dar
graças' de que ele faz menção, outra coisa não é senão a predestinação, pela
qual fomos adotados como filhos de Deus. Gostaria que meus leitores se
lembrassem disso, pois amiúde se diz que Deus nos 'dá' sua graça somente quando
ela começa a operar eficazmente em nós. Aqui, porém, Paulo está tratando
daquilo que Deus determinou consigo mesmo desde o princípio; portanto, o que
ele deu às pessoas que nem ainda existiam é algo que fica completamente fora de
qualquer consideração meritória, e o conservou em seus tesouros até chegar o
tempo em que pudesse trazê-lo a lume pelo resultado de que Deus nada determina
em vão.
Tanto aqui quanto em Tito 1, o
apóstolo chama a inter-minável série de anos, desde a fundação do mundo [Tt
1.2], de tempos eternos. A engenhosa discussão sobre este assunto, que
Agostinho suscita em muitas passagens, é estranha ao pensamento de Paulo; o que
este quer dizer é simplesmente isto: "antes que os tempos iniciassem sua
trajetória, desde todas as eras passadas." Além do mais, é digno de nota o
fato de ele colocar Cristo como o único fundamento da salvação, porque fora
dele não há nem adoção nem salvação para ninguém, como diz ele em Efésios 1.

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08 dezembro, 2010
0 Como o Pecado Original nos Afeta - João Calvino
O
Pecado Original de Adão afeta toda a sua Posteridade
Como a vida espiritual de Adão
era permanecer ele unido e ligado a seu Criador, assim também, ao alienar-se
dele veio-lhe a morte da alma. Portanto, não surpreende se, por sua defecção,
afundou na ruína sua posteridade aquele que perverteu, no céu e na terra, toda
a ordem da própria natureza. “Gemem todas as criaturas”, diz 5. Primeira
edição: “Se vil e execrável ofensa é a apostasia, pela qual o homem se Paulo, “não
por sua própria vontade, sujeitas à corrupção” [Rm 8.20, 22]. Caso se busque a
causa disso, não há dúvida de que estão a sofrer parte daquele castigo que o
homem mereceu, para cujo proveito elas foram criadas. Portanto, quando, de alto
a baixo, por sua culpa atraiu a maldição que grassa por todos os recantos do
mundo, nada há de ilógico se ela foi propagada a toda sua descendência. Logo,
depois que a imagem celeste foi nele obliterada, não sofreu sozinho esta
punição que, em lugar de sabedoria, poder, santidade, verdade, justiça,
ornamentos de que fora ataviado, lhe sobreviessem as mais abomináveis pragas:
cegueira, fraqueza, impureza, fatuidade, iniqüidade, mas ainda nas mesmas
misérias enredilhou e submergiu sua progênie.
Esta é a corrupção hereditária
que os antigos designaram de “pecado original”, entendendo pelo termo pecado a
depravação de uma natureza antes disso boa e pura, matéria a respeito da qual
muita lhes foi a contenção, uma vez que nada seja mais remoto do consenso geral
que pela culpa de um só todos se façam culpados e, assim, o pecado se torne
comum a todos. Esta parece ter sido a razão por que os doutores mais antigos da
Igreja abordaram este assunto de forma tão obscura, pelo menos por que o
explanaram menos lucidamente do que se fazia necessário.
Contudo, esta relutância não
pôde impedir que Pelágio entrasse em cena, cuja profana invenção foi haver Adão
pecado tão-somente para seu próprio dano, mas que aos descendentes nada afetou.
Naturalmente, com esta artimanha de encobrir a enfermidade, Satanás tentou
torná-la incurável. Como, porém, pelo claro testemunho da Escritura se
mostrasse que o pecado foi transmitido do primeiro homem a toda a posteridade
[Rm 5.12], sofismavam haver-se transmitido por imitação, não por geração.
Portanto, bons homens, e acima dos demais Agostinho, nisto laboraram
afincadamente para mostrar que não somos corrompidos mediante impiedade
adquirida; ao contrário, trazemos depravação ingênita desde o ventre materno.
O não reconhecimento desse fato
foi o supremo descaramento. Mas ninguém se surpreenderá da temeridade dos
pelagianos e dos celestianos quem, pela leitura dos escritos daquele santo
varão, Agostinho, tenha percebido que monstros de perversa catadura foram eles
em todos os demais pontos.
Por certo que não é ambíguo o
que Davi confessa, a saber, ter sido gerado em iniqüidades e de sua mãe
concebido em pecado [Sl 51.5]. Não está ele aí a censurar as faltas do pai ou
da mãe; antes, para que melhor enalteça a bondade de Deus para consigo, faz
remontar a confissão de sua iniqüidade à própria concepção. Uma vez ser
evidente não ter sido isso peculiar a Davi, segue-se que sob seu exemplo se
denota a sorte comum do gênero humano.
Portanto, todos que descendemos
de uma semente impura, nascemos infeccionados pelo contágio do pecado. Na
verdade, antes que contemplemos esta luz da vida, à vista de Deus já estamos
manchados e poluídos. Pois, “quem do imundo tirará o puro?” Certamente, como
está no livro de Jó [14.4], ninguém!

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João Calvino
30 novembro, 2010
0 Pela Hipocrisia falam Mentiras - Calvino
Alguns
apostatarão da fé (1Tm 4.2). Não fica muito claro se ele
está falando dos mestres ou dos ouvintes, mas prefiro tomá-lo como uma
aplicação aos últimos, visto que prossegue tratando dos mestres quando os chama
de espíritos sedutores. É mais enfático dizer que não só haverá quem divulgue
os ensinos ímpios e corrompa a pureza da fé, mas também dizer que não faltarão
alunos que sejam atraídos para suas seitas. E quando uma mentira aumenta sua
influência, ela avoluma as dificuldades. Mas ele não está falando de um erro
trivial, e, sim, de um mal terrível, a apostasia da fé, embora à primeira vista
não pareceria ser tão mal assim à luz do ensino que ele menciona. Pois como é
possível ser a fé completamente subvertida pela proibição de certos alimentos
ou do matrimônio? Devemos, porém, levar em conta uma razão mais ampla, ou seja,
que aqui os homens estão inventando um culto divino pervertido para a
satisfação de seu ego; e ao ousarem proibir o uso de coisas saudáveis que Deus
permitiu, estão alegando que são os mestres de suas próprias consciências. E
tão logo a pureza do culto é pervertida, não permanece nada íntegro e saudável,
e a fé é completamente subvertida. Por isso, ainda que os papistas debochem de
nós, ao criticarmos suas leis tirânicas acerca de observâncias externas, temos
consciência de que estamos lidando com um assunto seríssimo e importantíssimo;
porque, assim que o culto divino é contaminado com tais corrupções, a doutrina
da fé é também subvertida. A controvérsia não é acerca de carne e peixe, ou
acerca das cores preto ou cinza, acerca de quarta-feira ou sexta-feira, e, sim,
acerca das más superstições dos homens que desejam obter o favor divino por
meio de tais futilidades e pela invenção de um culto carnal, fabricando para si
ídolos no lugar de Deus. Quem ousaria negar que fazer isso é apostatar da fé?
Espíritos
sedutores. Ele está se referindo a profetas ou mestres, aplicando-lhes
esse título porque se vangloriavam de possuir o Espírito, e ao procederem assim
estavam causando impressão sobre o povo. Em geral, é deveras verdade que todas
as classes de pessoas falam da inspiração de uni espírito, mas não o mesmo
espírito que inspira a todos. Pois às vezes Satanás passa por espírito
mentiroso na boca dos falsos profetas, com o fim de iludir os incrédulos que
merecem ser enganados [1 Rs 22.21-23]. Mas todos quantos atribuem a Cristo a
devida honra falam pelo Espírito de Deus, no dizer de Paulo [1 Co 12.3]. Esse
modo de expressar-se teve sua origem na reivindicação feita pelos servos de
Deus, a saber, que todos os seus pronun¬ciamentos públicos lhes vieram por
revelação do Espírito; e, visto que eram os instrumentos do Espírito, lhes foi
atribuído o nome do Espírito. Mais tarde, porém, os ministros de Satanás,
através de uma falsa imitação, como fazem os símios, começaram a fazer a mesma
reivindicação em seu favor, e da mesma forma falsamente assumiram o mesmo nome.
Eis a razão por que João diz: "provai os espíritos, se realmente procedem
de Deus" [1 Jo4.1].
Além do mais, Paulo explica o
que quis dizer, acrescentando: e doutrinas de demônios, o que eqüivale dizer:
"atentando para os falsos profetas e suas doutrinas diabólicas". Uma
vez mais digamos que isso não constitui um erro de somenos importância ou algo
que deva ser dissimulado, quando as consciências dos homens são constrangidas
por invenções humanas, ao mesmo tempo que o culto divino é pervertido.
Pela
hipocrisia, falam mentiras. Se esta frase for considerada como uma
referência aos demônios, então falar mentiras será uma referência aos seres
humanos que falam falsamente pela inspiração do diabo. Mas é possível
substituí-la por: "através da hipocrisia dos homens que falam
mentiras". Evocando um exemplo particular, ele diz que falam mentiras
hipocritamente, e são marcados com ferretes em sua consciência. E devemos
observar que essas duas coisas se relacionam intimamente, e que a primeira flui
da segunda. As más consciências que são marcadas com o ferrete de seus maus
feitos lançam mão da hipocrisia como um refúgio seguro, a saber, engendram
pretensões hipócritas com o fim de embaralhar os olhos de Deus. Aliás, esse é o
mesmo expediente usado por aqueles que tentam agradar a Deus com ilusórias
observâncias externas.
E assim, a palavra hipocrisia
deve ser entendida em relação ao presente contexto. Ela deve ser considerada
primeiramente em relação à doutrina, e significando que gênero de doutrina é
esse que substitui o culto espiritual de Deus por gesticulações corporais, e
assim adultera sua genuína pureza, e então inclui todos os métodos inventados
pelos homens para apaziguar a Deus ou obter seu favor. Seu significado pode ser
assim sumariado: em primeiro lugar, que todos os que introduzem uma santidade
forjada estão agindo em imitação ao diabo, porquanto Deus jamais é adorado
corretamente através de meros ritos externos. Os verdadeiros adoradores "o
adorarão em espírito e em verdade" [Jo 4.24]. E, em segundo lugar, que
esse culto externo é uma medicina inútil por meio da qual os hipócritas tentam
mitigar suas dores, ou, melhor, um curativo sob o qual as más consciências
ocultam suas feridas sem qualquer valia, a não ser para agravar ainda mais sua
própria ruína.

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João Calvino
24 novembro, 2010
0 Há Um Só Deus – João Calvino
Porquanto
há um só Deus (1 Tm 2.5).
Crisóstomo e muitos outros
forçam o seguinte significado: não há tantos deuses como os idólatras imaginam.
Quanto a mim, porém, creio que a intenção de Paulo era diferente, a saber, que
há aqui uma comparação implícita entre o único Deus e o único mundo com suas
diversas nações, e desta comparação surge uma perspectiva de ambos em relação
um ao outro. E assim ele diz em Romanos 3.29: "E porventura Deus somente
dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios."
Portanto, qualquer que fosse a diversidade entre os homens, naquele tempo, pelo
fato de muitas classes e nações serem estranhas à fé, Paulo lembra aos crentes
a existência da unicidade de Deus, para que soubessem que existe um vínculo
entre eles e todos os homens, visto que há um só Deus sobre todos, para que
soubessem que aqueles que se encontram sob o governo do mesmo Deus não são
excluídos para sempre da esperança de salvação.
Sua intenção, aqui, tem a mesma
conotação daquilo que ele prossegue afirmando: há um só Mediador. Pois como há um só Deus, o Criador e Pai de
todos, assim, declara o apóstolo, há um só Mediador, através de quem se nos
abre acesso para Deus, e este Mediador não é oferecido a uma só nação, ou a
umas poucas pessoas de uma classe específica, mas a todos, pois o benefício do
sacrifício, por meio do qual ele fez expiação por nossos pecados, se aplica a
todos. Visto que, naquele tempo, grande parte do mundo se encontrava alienada
de Deus, o apóstolo explicitamente menciona o Mediador através de quem os que
estavam longe agora ficaram perto. O termo universal, 'todos', deve sempre
referir-se a classes de pessoas, mas nunca a indivíduos. E como se ele quisesse
dizer: "Não só os judeus, mas também os gentios; não só as pessoas de
classe humilde, mas também os príncipes foram redimidos pela morte de Cristo."
Portanto, visto que sua intenção é que a morte do Mediador seja um benefício
comum destinado a todos, aqueles eme mantêm um ponto de vista que exclui alguns
da esperança de salvação lhe fazem injúria.
Cristo
Jesus, homem. Ao denominá-lo de homem, o apóstolo não está
negando que Cristo seja igualmente Deus; visto, porém, que seu propósito, aqui,
é atrair a atenção para o vínculo que nos liga a Deus, ele menciona a natureza
humana de Cristo em vez de mencionar a divina, e esse fato deve ser atentamente
observado. Pois a razão pela qual, desde o princípio, os homens têm se apartado
cada vez mais de Deus, inventando para si um mediador após outro, é que foram
dominados pela errônea noção de que Deus estava muitíssimo distante deles, e
assim não sabiam onde buscar socorro. Paulo remedia esse mal, mostrando que
Deus se encontra presente conosco, pois que desceu até nós para que não
tivéssemos que buscá-lo para além das nuvens. Aqui ele está dizendo a mesma
coisa, como em Hebreus 4.15: "Porque não temos sumo sacerdote que não se
compadeça de nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as coisas."
E se ficasse impresso nos corações de todos os homens que o Filho de Deus nos
estende a mão de irmão, e que está unido a nós por participar de nossa
natureza, quem não escolheria andar nessa vereda plana em vez de vaguear por
trilhos irregulares e íngremes? Por conseguinte, sempre que orarmos a Deus, se
porventura a lembrança de sua sublime e inacessível majestade toldar de medo
nosso espírito, lembremo-nos também de que o homem Cristo gentilmente nos
convida e nos toma em sua mão, de modo que o Pai, de quem tínhamos medo e
tremíamos, se nos tornou favorável e amigável. Eis a única chave capaz de
reabrir-nos a porta do reino do céu, de modo que agora podemos comparecer
confiantes na presença de Deus.
Portanto, ao longo de todos os
tempos, Satanás tem tentado transtornar essa confiança com o fim de extraviar
os homens. Não digo nada sobre como antes da vinda de Cristo ele distraía os
homens de muitas e variadas formas, inventando outros meios de se alcançar a
Deus. Desde o princípio da Igreja Cristã, porém, até ao tempo quando Cristo
acabara de surgir como um penhor infinitamente valioso da graça divina, e
quando sua deleitosa e amorável palavra: "Vinde a mim todos os que estais cansados" etc. [Mt 11.28]
ainda ressoava por toda a terra, já havia alguns enganadores vis que
apresentavam em seu lugar anjos mediadores, como se pode facilmente deduzir de
Colossenses 2.1-18. E essa corrupção que Satanás, naquele tempo, inventara em
secreto levou a cabo de tal forma, du-rante o papado, que dificilmente uma
pessoa entre mil reconhecia a Cristo como Mediador, mesmo nominalmente -e se o
nome era desconhecido, ainda mais o era a realidade.
E agora, ao levantar Deus
mestres íntegros e piedosos, cuja preocupação tem sido restaurar e trazer de
volta ao espírito humano aqueles grandes e mui notórios princípios de nossa fé,
os sofistas da Igreja de Roma recorrem a toda sorte de inventos com o fim de
obscurecer algo que é tão óbvio. Em primeiro lugar, o nome se lhes afigura tão
odioso que, se alguém menciona a mediação de Cristo sem mencionar a dos santos,
cai imediatamente sob suspeita de heresia. E já que eles não ousam rejeitar
sumariamente o que Paulo diz aqui, então evadem-se com um comentário pueril de
que ele é chamado "um só mediador", e não "o único
mediador", como se Paulo houvera feito menção de Deus como um entre uma
grande multidão de deuses, porquanto ambas as afirmações de que há um só Deus e
um só mediador estão estreitamente entrelaçadas. Dessa forma, aqueles que fazem
de Cristo um entre muitos devem apresentar a mesma interpretação também em
relação a Deus. Acaso se atreveriam a destruir a glória de Cristo, se não
fossem impelidos por sua cega fúria e impudência?
Há outros que se imaginam mais
argutos, fazendo de Cristo o único Mediador da redenção, enquanto que denominam
os santos de mediadores da intercessão. O contexto desta passagem revela a
insensatez de tal interpretação, visto que Paulo, aqui, está implicitamente
tratando da oração. O Espírito Santo nos concita a orarmos em favor de todos,
porquanto nosso único Mediador concita a todos a virem a ele, visto que ele,
por intermédio de sua morte, reconcilia todos com o Pai. Não obstante, aqueles
que, com sacrilégio tão ultrajante, despojam a Cristo de sua honra, desejam ainda
ser considerados cristãos. Ainda se objeta que aqui parece haver contradição,
porque nesta passagem Paulo nos concita a intercedermos por outros, enquanto
que em Romanos 8.34 ele diz que a obra de intercessão pertence tão-somente a
Cristo. Minha resposta é que as intercessões pelas quais os santos auxiliam uns
aos outros não se conflitam com o fato de que todos eles têm um só Intercessor,
porquanto ninguém é ouvido, seja em seu próprio favor ou em favor de outrem, a
menos que confie em Cristo como seu Advogado. Nossas intercessões recíprocas,
longe de denegrirem a intercessão única de Cristo, na verdade dependem
completamente dela.
É possível imaginar-se que
atingir harmonia entre nós e os papistas é algo muito fácil, se eles apenas
subordinassem à intercessão de Cristo tudo quanto atribuem aos santos. Não é
tão fácil assim, pois a razão pela qual transferem o ofício da intercessão para
os santos é porque imaginam que de outra forma ficariam privados de um advogado.
Comumente se crê entre eles que necessitamos de um intercessor, visto que, por
nós mesmos, somos indignos de comparecer perante a face de Deus. Ao fazerem tal
afirmação, estão privando a Cristo da honra que lhe pertence. É uma chocante
blasfêmia atribuir aos santos a dignidade de granjear-nos o favor divino. Todos
os profetas, apóstolos e mártires, bem como os próprios anjos, muito longe
estão de reivindicar para si tais prerrogativas, uma vez que eles também
necessitam, como nós, da mesma intercessão.
Não passa de mera ficção de
suas imaginações que os mortos intercedam pelos vivos, e basear nossas orações
em tal conjectura é desviar completamente de Deus nossa confiança e nossas
orações. Paulo estabelece a fé baseada na Palavra de Deus [Rm 10.17] como a
forma correta para se invocar a Deus.
Estamos, pois, certíssimos em
rejeitar as coisas imaginárias que a mente humana engendra à parte da Palavra
de Deus.
Não nos detendo no assunto mais
do que a exposição da passagem requer, podemos sumariá-lo, dizendo que aqueles
que têm aprendido da obra de Cristo ficarão satisfeitos somente com ele,
enquanto que aqueles que não conhecem tanto a Deus quanto a Cristo criarão
mediadores segundo sua imaginação alienada de Deus. Daqui concluo que o ensino
dos papistas, que obscurece e quase que sepulta a mediação de Cristo, e
introduz mediadores fictícios sem qualquer autoridade bíblica, está saturado de
desconfiança e de temeridade perversa.

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João Calvino
12 novembro, 2010
0 A Estrutura do Pensamento de Calvino - Alister McGrath
Calvino é considerado, de um
modo geral, como um sistematizador frio e impassível, um cérebro, em vez de uma
pessoa, uma figura introspectiva e socialmente isolada que se sentia mais à
vontade no mundo das idéias do que no mundo real de carne e osso, o mundo das
relações humanas. A concepção popular sobre o pensamento religioso de Calvino é
a de um sistema rigorosamente lógico, centrado na doutrina da predestinação.
Embora essa crença popular possa representar um pensamento de grande
influência, ela guarda pouca relação com a realidade; ainda que a doutrina da
predestinação possa ser importante para o posterior movimento Calvinista, isso
não está refletido na exposição de Calvino sobre essa idéia. Porém, essa crença
popular levanta um importante questionamento. Alguém pode falar a respeito do
pensamento de Calvino como sendo, acima de tudo, um sistema! A palavra
"sistema" implica pressupostos acerca de unidade. Ela requer coerência.
Contudo, Calvino compartilhava do profundo desgosto característico da república
humanista das letras pelos teólogos escolásticos, cujos lemas parecem haver
sido "sistematização" e "coerência". Referir-se a Calvino
como um sistematizador teológico implica um grau de afinidade com o
escolasticismo medieval, o que contradiz suas próprias atitudes. Isso também
sugere uma significativa descontextualização entre Calvino e sua cultura, a
qual não possuía os recursos intelectuais nem percebia qualquer razão em
particular para produzir obras de "teologia sistemática" - um gênero
literário que era, de qualquer forma, reconhecido como uma reserva do tão
desprezado Escolasticismo. Apenas através de uma postu¬ra que considera as
Institutas como sendo consistentes com o Humanismo bíblico da época de Calvino,
em vez de uma radical exceção a ele, torna-se possível apreciar o pleno
significado da obra.
Certamente é fato que as
Institutas de 1559 têm sido, freqüentemente, comparadas à Summa Theologiae de Tomás de Aquino - com suas 512 questões, 2.669
artigos e mais de 10.000 críticas e réplicas - em termos de sua abrangência e
influência. Contudo, isso significa confundir, evidentemente, o volume
literário e a influência histórica com a afinidade teológica. Como indica um
estudo do desenvolvimento das Institutas, originalmente Calvino concebeu a obra
em termos modestos, sem quaisquer pretensões de uma abrangência metodológica. A
reorganização do material entre uma edição e outra, no período de 1536 a 1559,
reflete uma preocupação pedagógica, e não metodológica; o interesse de Calvino
é humanista, em vez de escolástico
- ou seja, o de auxiliar seus
leitores, e não o de impor um método a seu próprio pensamento. As Institutos de
1559 combinam as virtudes cardeais do educador humanista- clareza e compreensão
- permitindo a seus leitores o acesso a uma apresentação clara e abrangente dos
principais pontos da fé cristã, da maneira como Calvino desejava que fossem
entendidos. Em ponto algum há qualquer evidência que sugira que um princípio
dominante, um axioma ou uma doutrina - exceto o da clareza da apresentação -
tenham controlado a forma ou a substância da obra. Esta é uma expressão da eloquentia, tão valorizada pela
Renascença, tanto em sua estrutura quanto em sua prosa.
O estudioso que, por quaisquer
motivos, pressupõe a existência de um princípio unificador no pensamento de
Calvino está, naturalmente, predisposto a encontrá-lo. As pesquisas acadêmicas
sobre Calvino apresentam uma série de estudos que, presumindo a existência de
um princípio unificador no pensamento de Calvino, procederam à identificação
deste princípio em suas doutrinas da predestinação, do conhecimento de Deus ou
em sua eclesiologia.10 Um enfoque mais modesto (e, deve-se dizer, mais
realista) consiste em admitir o óbvio e em aceitar que não há qualquer doutrina
central no pensamento de Calvino.11 Apropria idéia de um "dogma
central" tem suas origens no monismo dedutivo do Iluminismo, e não na
teologia do século 16. Alguém pode identificar, com certeza, certos temas de
importância central, certas metáforas essenciais que permitem alguma
compreensão acerca do pensamento de Calvino - porém, a noção de uma doutrina
central ou de um axioma que o controle não pode ser sustentada. Não existe algo
como "o cerne", "o princípio básico", "a premissa central"
ou "a essência" do pensamento religioso de Calvino.
Contudo, é evidente que, em
toda a sua discussão sobre o relacionamento de Deus com a humanidade, Calvino
considera um único paradigma como normativo. O paradigma em questão é aquele
que foi obtido através da encarnação, mais especificamente através da união,
sem a fusão, da divindade e da humanidade na pessoa de Jesus Cristo.
Repetidamente Calvino apela para a fórmula baseada na cristologia, distinctio sed non separatio,
significando que as duas idéias podem ser distinguidas, mas não separadas.
Assim, o "conhecimento de Deus" e o "conhecimento de nós
mesmos" podem ser diferenciados, mas não podem ser alcançados de forma
isolada, um em relação ao outro. Da mesma maneira que a encarnação representa
uma manifestação paradigmática dessa complexio
oppositorum, o mesmo padrão é, assim, repetido e deve ser percebido através
das várias manifestações do relacionamento entre Deus e a humanidade. Pelo fato
de enfatizar que a teologia é centrada no "conhecimento de Deus e no
conhecimento de nós mesmos" (Institutas I.i.l), esse paradigma é,
obviamente, relevante. Em todas as suas obras, Calvino demonstra uma forte
tendência de distinguir, de forma radical, as dimensões divina e humana -
insistindo, contudo, em sua unidade. Não há qualquer possibilidade de se
separar Deus e o mundo ou Deus e os seres humanos.
Pode-se perceber esse princípio
em ação do início ao fim das Institutas: a relação entre a Palavra de Deus e as
palavras dos seres humanos, na pre¬gação; entre o símbolo e significado da
eucaristia; entre o fiel e Cristo, na justificação, onde existe uma real
comunhão de pessoas, ainda que não haja a fusão dos seres; entre o poder
secular e o espiritual. O pensamento de Calvino é dominantemente cristocêntrico, não apenas pelo fato de que ele se
centraliza na revelação de Deus em Jesus Cristo, mas também porque essa
revelação desvenda um paradigma que governa outras áreas centrais do pensamento
cristão. Onde quer que Deus e a humanidade entrem em contacto, o paradigma da
encarnação ilumina esse relacionamento. Se existe um ponto central no
pensamento religioso de Calvino, este pode, perfeitamente, ser identificado
como sendo o próprio Jesus Cristo.
Sugerir que não é inteiramente
apropriado designar o pensamento religioso de Calvino como um
"sistema" não significa, de forma alguma, que este não possua coerência
ou consistência interna. Ao contrário, significa ressaltar a habilidade com que
Calvino, agindo aparentemente mais como um teólogo bíblico do que filosófico,
foi capaz de integrar uma série de elementos na estrutura global de seu
pensamento. Ele pode não ter desenvolvido um "sistema teológico", no sentido estrito do termo;
entretanto ele foi, indubitavelmente, um pensador sistemático, que reconheceu
plenamente a necessidade de assegurar a consistência interna, entre os vários
componen¬tes de seu pensamento.
À medida que Calvino
envelhecia, surgia uma nova preocupação com o método. Ocorreu uma alteração
significativa no clima intelectual, conforme se desenvolvia um novo interesse
humanista por questões metodológicas, com o efeito essencial de que a
sistematização não era mais considerada a reserva exclusiva dos tão abominados
teólogos escolásticos. Em parte, isso se deve à crescente influência da escola
humanista de Pádua, cuja ênfase sobre a importância do método (e das
contribuições de Aristóteles a essa ciência) alcançou uma audiência progressivamente
favorável, ao final da Renascença. Se pretendesse manter a respeitabilidade e a
credibilidade intelectual, o Calvinismo tinha que se adequar ao novo molde
sistemático. Os sucessores de Calvino, ao final do século 16, confrontados com
a necessidade de impor um método ao seu pensamento, descobriram que sua
teologia era eminentemente adequada a uma readaptação, dentro das estruturas
lógicas mais rigorosas sugeridas pela metodologia aristotélica, a qual era
privilegiada ao final da Renascença italiana. Isso, talvez, tenha conduzido à
conclusão precipitada de que o próprio pensamento de Calvino possuía a forma
sistemática e o rigor lógico da ortodoxia reformada do período posterior e
tenha permitido que a preocupação da ortodoxia, sobre a doutrina da
predestinação, fosse imposta às Institutas de 1559. Como devemos sugerir, há
uma sutil diferença entre Calvino e o Calvinismo nesse aspecto, assinalando e
refletindo uma reviravolta relevante na história intelectual em geral. Se os
discípulos de Calvino desenvolveram suas idéias, isso ocorreu em resposta a um
novo espírito da época, o qual considerava a sistematização e a preocupação com
o método como intelectualmente respeitáveis e desejáveis. O Luteranismo falhou
em reconhecer a importância dessa decisiva mudança no contexto intelectual; na
época em que os escritores luteranos adotaram os novos métodos, praticamente
uma geração inteira havia se passado e a superioridade do Calvinismo parecia
certa
Antes de considerar as
principais características do pensamento de Calvino, pode ser útil identificar
pelo menos algumas das influências mais relevantes sobre as suas idéias. Em
primeiro lugar, deve-se ressaltar que Calvino é um teólogo bíblico. A primeira
e mais relevante fonte de suas idéias religiosas era a Bíblia. A obra de
Calvino, como comentarista bíblico, serve para reforçar a impressão geral que
alguém adquire, a partir de uma leitura mais cuidadosa das Institutas: a de que
ele considerava a si mesmo como um obediente expositor da Bíblia. Textos,
contudo, demandam interpretação. Calvino tinha acesso às principais técnicas da
teoria literária, do criticismo textual e da análise filológica que a
Renascença havia colocado à sua disposição e não teve dúvidas em usá-las. Ele
era um humanista e empregava as técnicas do mundo das letras a seu serviço,
como expositor bíblico.
Embora a principal preocupação
de Calvino fosse a interpretação das Escrituras, sua leitura desse texto era
informada e enriquecida pela tradição cristã. Ele não hesitava em desenvolver a
tese que havia, originalmente, defendido na Disputa de Lausanne - a tese de que
a Reforma representava a restauração dos autênticos ensinamentos da Igreja
primitiva, com a eliminação das distorções e das adições ilegítimas do período
medieval. Sobretudo, Calvino considerava seu pensamento como uma exposição fiel
das principais idéias de Agostinho de Hipona: "Agostinho é totalmente nosso!". Ele tinha em alta conta
alguns dos anteriores escritores medievais, tais como Bernard de Clairvaux.
Embora tivesse a tendência de considerar a antiga teologia medieval como algo
irrelevante, é evidente que Calvino incorporou em seu pensamento pelo menos
alguns de seus métodos e pressupostos. Seu voluntarismo e o apelo sutil ao
método lógico-crítico são exemplos de uma afinidade ligada não necessariamente
a algum escritor ou escola de pensamento em particular, mas ao acervo
intelectual característico da teologia contemporânea. Por fim, sua dívida
frente à primeira geração de Reformadores é em tudo evidente - a Lutero, a seu
amigo Bucero, de Estrasburgo, e ao erudito Filipe Melanchthon, para mencionar
apenas três deles.
Obviamente, é impossível
fornecer uma análise detalhada do pensamento de Calvino no espaço do qual
dispomos. Nossa proposta é, portanto, apresentar um resumo do Cristianismo
segundo Calvino, da forma como é apresentado nas Institutas.

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João Calvino
05 novembro, 2010
0 A Prioridade das Institutas – Alister McGrath
A forma mais conveniente - e,
como devemos sugerir, a mais confiável -de apresentar um esboço da perspectiva
de Calvino sobre o Cristianismo consiste em distinguir os temas centrais da
edição de 1559 das Institutas da Religião Cristã. O próprio Calvino, de forma
explícita, identificou as Institutas como a única apresentação oficial de suas
idéias religiosas. Isso não quer dizer que outras fontes em potencial para
essas idéias - por exemplo, seus comentários bíblicos ou seus sermões - sejam
totalmente apagados pelas Institutas. Tampouco significa subestimar as
incríveis habilidades de Calvino como comentarista bíblico ou pregador. Certamente
é verdade que, ao menos em alguns casos, é possível construir os principais
esboços de suas doutrinas a partir de uma pesquisa em seus comentários
bíblicos.' Além do mais, os comentários geralmente não possuem o tom irritadiço
e petulante, ocasionalmente beirando o desagradável, que é característico de
certos trechos das Institutas de 1559. Afigura nada atraente de Calvino como
autor, provavelmente um reflexo das progressivas debilidades que o desgastavam,
relacionadas tanto ao seu envelhecimento quanto à sua enfermidade, é
considerada, geralmente, como uma das principais deficiências de sua obra. O
tratamento que ele dispensava a seus oponentes, particularmente a Andréas
Osiander, é agressivo e arrogante, com uma lamentável tendência de combinar o
criticismo de idéias ao criticismo da pessoa daqueles que as defendiam. O
contraste com Tomás de Aquino é particularmente acentuado: sua obra Summa
Theologiae se caracteriza pela considerável moderação, mesmo naqueles pontos em
que Aquino está claramente expondo idéias que ele considera equivocadas. Por
outro lado, os comentários de Calvino constituem uma leitura muito mais agradável.
No entanto, devem ser observados dois potenciais perigos, no fato de se
priorizar os comentários.
Em primeiro lugar, a rigorosa
concepção de Calvino sobre o papel do comentarista em relação ao texto,
evidenciada desde o comentário de Sêneca, coloca severas restrições à sua
liberdade para proceder à transição hermenêutica crucial entre a exposição das
Escrituras e a afirmação teológica. Calvino não concebe o termo
"teologia" como algo que signifique apenas uma "explicação da
Bíblia", embora ele não possua a menor intenção de
separar a teologia da
explicação das Escrituras. Ainda que ele considere a teologia como "um eco
do texto bíblico", esta não representa, estritamente falando, um
comentário sobre o texto, mas uma estrutura de interpretação através da qual o
texto pudesse ser compreendido. Fica claro que, ao comentar os textos, Calvino
freqüentemente sente que não é adequado fornecer uma explicação detalhada sobre
todas as implicações doutrinárias presentes em uma dada passagem. Em parte, isso
reflete sua consciência da necessidade de lidar com os aspectos históricos,
lingüísticos e literários, levantados por aquela passagem. Contudo, isso também
se baseia na sua clara pressuposição de que seus leitores iriam se referir às
Institutas como a fonte principal de toda a sua teologia - e, conseqüentemente,
de seu método de interpretação das Escrituras. Os comentários podem esclarecer
aspectos particulares dos textos bíblicos; as Institutas fornecem uma estrutura
através da qual a essência da proclamação bíblica pode ser percebida e compreendida.
Calvino claramente considerava seus comentários bíblicos como subordinados às
Institutas, em alguns aspectos; estes não pretendiam ser um substituto
independente e não podem ser tratados como se assim o fossem. Se é que existe
um único auxilio à leitura das Escrituras, que supera todos os demais dentre
suas obras e que foi idealizado como tal pelo próprio Calvino, este são as
próprias Institutas, mais do que qualquer comentário sobre uma passagem bíblica
especifica.
Em segundo lugar, as exposições
teológicas de Calvino freqüentemente se baseavam em uma análise detalhada da
relação das diversas partes que constituíam seu sistema, incluindo a exploração
de possíveis dificuldades e a avaliação de alternativas contrárias. Esse
esforço é real no contexto das Institutas, especialmente na edição de 1559. A
plenitude das nuances, ênfases e sutilezas do pensamento de Calvino pode ser,
dessa forma, identificada e avaliada. Ao tratar de qualquer tópico em particular,
na edi¬ção de 1559, o leitor pode estar seguro de que ele ou ela encontrará
tudo o que Calvino considerava como essencial para compreender seu
posicionamento em relação àquele tópico. Essa extensão não será encontrada pelo
leitor dos comentários bíblicos que tentar determinar a posição de Calvino
através do estudo de sua explicação sobre passagens bíblicas potencialmente
relevantes. A pessoa é, efetivamente, forçada a consultar as Institutas para
determinar se houve omissão de algum componente es¬sencial do pensamento de
Calvino em um dado tema, admitindo, portanto, a prioridade daquela obra.

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03 novembro, 2010
0 Satanás é Ministro da Ira Divina – João Calvino
A impiedade é um mal secreto, (
“por isso Deus os entregou...” Rm 1.24) daí o apóstolo fazer uma demonstração
muito enfática a fim de patentear que eles não podem escapar sem justa
condenação, visto que esta impiedade era seguida dos efeitos que provam a manifesta
evidência da IRA do Senhor. Entretanto, se a ira do Senhor é sempre justa,
segue-se que tem havido algo neles que era digno de condenação. Paulo,
portanto, agora usa estes sinais para provar a apostasia e deserção dos homens,
benevolência ao lançá-los de cabeça para baixo na destruição e ruína de todo
gênero. Ao comparar os vícios de que eram culpados com a impiedade de que os
acusara anteriormente, ele mostra que estavam sofrendo castigo proveniente do
justo juízo de Deus. Visto que nada nos é mais precioso do que nossa própria
honra, é o cúmulo da cegueira não hesitarmos em atrair desgraça sobre nós
mesmos. Portanto, é um castigo muitíssimo justo para a desonra praticada contra
a Majestade divina.
Este é o tema que o apóstolo
desenvolve no fim do capítulo, porém lida com ele de várias formas, pois o
requeria considerável de ampliação.
Em resumo, pois, o que o
apóstolo está dizendo significa que a ingratidão humana para com Deus é
injustificável. O próprio exemplo deles prova sem rodeios que a ira de Deus
contra eles é sem misericórdia. Porque jamais teriam se precipitado, como
bestas, em tão detestáveis atos de luxúria, se porventura não tivessem
incorrido no ódio e inimizade de Deus em sua Majestade. Portanto, visto que o
vício mais flagrantes é praticado em todos os lugares, ele conclui que as
provas indubitáveis da vingança divina são evidentes na raça humana. Ora, se
esta vingança divina nunca age sem motivo ou de forma injusta, Paulo nos afirma
que é evidente deste fato que essa destruição, não menos certa do que justa,
ameaça a humanidade toda.
É totalmente desnecessário,
aqui, entrar numa infindável discussão sobre como Deus entrega os homens à vida
de iniqüidade. É deveras certo que ele não só PERMITE que os homens caiam em
pecado, aprovando que vivem assim, fingindo não ver sua queda, mas também
ORDENA por seu justo juízo, de modo que são forçosamente conduzidos a tal
loucura, não só por seus desejos maus, mas também pelo Diabo.
Paulo, pois, adota o termo
ENTREGAR em concordância com o constante uso da Escritura. Aqueles que
acreditam que somos levados a pecar tão-somente pela PERMISSÃO divina provocam
forte violência contra esta palavra, pois Satanás é o MINISTRO DA IRA DIVINA,
bem como seu ‘EXECUTOR’, ele também se acha fortemente armado contra nós, não
simplesmente na aparência, mas segundo as ordens do JUIZ.
Deus, contudo, não deveria ser
tido na conta de cruel, nem somos nós inocentes, visto que o apóstolo
claramente mostra que somos entregues ao seu poder somente quando merecemos tal
punição. Só uma exceção se deve fazer, a saber: que a CAUSA do pecado, as
raízes do que sempre reside no próprio pecador; não tem origem em Deus, pois
resulta sempre verdadeiro que “A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim o
teu socorro” (Os 13.9).
Ao conectar os desejos
perversos do coração humano com a IMPUREZA, o apóstolo indiretamente nos dá a
entender o fruto que o nosso coração produzirá ao ser entregue a si mesmo. A
expressão “entre eles mesmos” – é enfática, pois de modo significativo expressa
quão profundas e indeléveis são as marcas da conduta depravada que trazem
impureza a seus corpos.

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23 outubro, 2010
1 Calvino – A Gênese de um Enigma
Sugerir que Calvino representa
algo como um enigma histórico pode, à primeira vista, parecer absurdo. Não
sabemos mais a seu respeito do que sobre várias outras figuras do século 16?
Antes de iniciar a análise histórica e a reconstituição da incrível carreira de
Calvino, porém, é relevante atentarmos para o fato de que sabemos muito menos
sobre ele, particularmente sobre seu período inicial, do que gostaríamos de
saber. Seu maior legado para a civilização ocidental foram suas idéias e as
formas literárias com que elas foram expostas. Na verdade, mais de um
historiador sugeriu a existência de paralelos entre Calvino e Lênin, alegando
que os dois possuíam um grau extraordinário de visão teórica e aptidão organizacional.30
Ambos forneceram fundamentos teóricos para movimentos revolucionários, os quais
dependeram justamente de tais fundamentos para sua organização, direção e posterior
sucesso. O próprio Calvino, porém, como figura humana, de carne e osso, por
detrás dessas idéias, permanece vago. As razões para isso não são difíceis de
se entender, sendo, talvez, melhor compreendidas pela comparação de Calvino com
o grande Reformador saxão, Martinho Lutero.
Em primeiro lugar, possuímos um
material abundante, proveniente da pena generosa de Lutero, datado do período
anterior ao seu surgimento como importante Reformador. Sua carreira como
Reformador tem por marcos iniciais as suas Noventa e Cinco Teses, referentes às
indulgências (3 í de outubro de 1517), o debate de Leipzig de junho-julho de
1519 e os três tratados reformistas de 1520. Por volta de 1520, Lutero era tido
como um Reformador carismático e popular. Essa vocação, entretanto,
fundamentava-se em um conjunto de idéias religiosas que se desenvolveram
anteriormente a seu engajamento público. De 1513 a 1517, Lutero tinha-se
engajado no ensino teológico, na Universidade de Wittenberg, período em ele
refletiu sobre as idéias que exerceram tão grande influência sobre os
acontecimentos que se seguiram. Possuímos a maioria de seus escritos, em uma ou
outra forma, daqueles primeiros anos, o que nos habilita a traçar a evolução
destes conceitos religiosos básicos.
No caso de Calvino, contudo,
somos confrontados com uma ausência quase que absoluta de material de sua
autoria, relacionado a seu período de formação. As origens de sua carreira como
Reformador podem ser fixadas a partir de algum ponto entre o final de 1533 ou o
início de 1534, mas não se sabe, precisamente, quando. Seu comentário sobre a
obra De clementia, de Séneca, que surgiu em abril de 1532, pouco revela em
relação a seu autor, exceto quanto a sua erudição e as prováveis ambições
juvenis de um estudioso humanista. Arazão para essa escassez de material não é
difícil de entender. As relações entre a coroa francesa e os ativistas
evangélicos vinham se deteriorando, continuamente, durante o início da década
de 1530. No início da manhã de domingo, do dia 18 de outubro de 1534, a nuvem
negra, que já vinha se formando há algum tempo, finalmente se rompeu com o
"Incidente dos Panfletos". Ocorreu que, naquele dia, panfletos que
atacavam violentamente práticas religiosas católicas, escritos pelo panfletista
Antoine Marcourt, foram afixados em importantes locais, por todo o reino da
França, inclusive na antecâmara do quarto do rei, em Amboise.
Enfurecido por esses
acontecimentos, Francisco I foi levado a deflagrar uma série intimidante de
medidas repressivas contra os evangélicos, na França, tornando desaconselhável,
àqueles que tivessem uma visão reformista, chamar atenção para este fato. João
Calvino já havia chegado a essa conclusão, em novembro de 1533, quando deixou
Paris pela segurança relativa de Angoulême, um dia após Nicolas Cop - o recém
empossado reitor - ter feito um discurso inflamado pelo Dia de Todos os Santos,
na Universidade de Paris. Devemos ressaltar que o discurso de Cop, que parecia
promover convicções evangélicas, provocou considerável oposição por parte dos
mais conservadores. Calvino, provável suspeito de haver escrito o discurso,
achou aconselhável deixar Paris o mais rápido possível, atitude totalmente
justificável em face dos acontecimentos posteriores. Como ressaltam seus
biógrafos, ele escapou por pouco:33 dentro de algumas horas, a polícia havia
revistado suas salas e confiscado seus trabalhos. Esses trabalhos que, sem
dúvida, possuíam um valor inestimável para o esclarecimento da evolução do
pensamento de Calvino durante esta fase tão importante, jamais foram encontrados.
Assim, somos obrigados a considerar esse período de formação como um enigma. No
entanto, relutando em se deixarem conter por essa falta de evidências, alguns
relatos destes primeiros anos parecem ter cedido à tentação de apresentar
suposições históricas como fatos históricos. Até mesmo Doumergue, que
corretamente afirma que se deve reconhecer ao menos parte da carreira de
Calvino como "une enigme chronologique", tende a aceitar essas
suposições históricas de seus estudiosos, em vez de se empenhar na sua
reconstituição crítica.
Em segundo lugar, Lutero é
excepcionalmente generoso com relação a referências autobiográficas, as quais
encontram-se espalhadas por todas as suas obras. Talvez a referência mais
famosa seja o "fragmento autobiográfico", de 1545, escrito no ano
anterior à sua morte. Esse segmento funciona como uma introdução à primeira edição
da coletânea de suas obras escritas em latim, na qual ele se apresenta a seus
leitores. Ao longo desse prefácio, ele descreve com detalhes sua experiência
pessoal, a evolução de suas idéias religiosas e o modo como se desenrolou a
crise que levou à origem da Reforma Luterana. Embora reminiscências pessoais de
homens idosos não sejam, em regra, muito confiáveis, as memórias de Lutero
parecem acuradas, até onde podem ser comprovadas. O modo como ele sugere que se
desenvolveram suas idéias religiosas (sobre as quais sua proposta de reforma se
fundamentaria) também pode ser comprovado pela comparação com suas obras
relativas ao período inicial de sua carreira. Calvino, contudo, parece ter sido
reticente quanto a inserir qualquer referência pessoal em suas obras. É provável
que uma passa¬gem da obra Réplica a Sadoleto (1539), na qual um representante
evangélico descreve seu rompimento com a Igreja medieval, possa ser
autobiográfica;36 entretanto, Calvino não faz qualquer afirmação neste sentido.
Aparte explicitamente autobiográfica do prefácio de seu Comentário sobre os
Salmos,1" de 1557, é, porém, de uma brevidade intrigante e, em certos
pontos, de difícil interpretação. Em seus sermões Calvino usa, freqüentemente,
a primeira pessoa - mas não se pode, necessariamente, concluir que revele muito
sobre si mesmo ao fazê-lo. Sua modéstia o impediu de revelar" as reflexões
e reminiscências, das quais tanto depende a reconstituição histórica.
Porque Calvino deveria ser tão
relutante em se revelar? A explicação para sua personalidade complexa
encontra-se na forma pela qual ele entendia seu chamado. Em um raro momento de
revelação pessoal, ele deixou clara sua crença veemente de que teria sido
separado por Deus para um propósito específico. Ao meditar sobre sua carreira,
ele pôde perceber a mão oculta de Deus dirigindo sua vida nos momentos
cruciais. Ele acreditava que, apesar de não possuir qualquer mérito pessoal,
Deus o chamou, mudou o curso de sua vida, conduziu-o a Genebra e o investiu na
função de pastor e pregador do Evangelho. Qualquer que fosse a autoridade que
Calvino possuísse, ele a entendia como sendo derivada de Deus, e não de seus
talentos e habilidades inatos. Ele não era nada mais do que um instrumento nas
mãos de Deus. Deve-se ressaltar que Calvino compartilhava da ênfase comum à
Reforma, expressa na doutrina da justificação pela fé de Lutero e na doutrina
reformada da eleição imerecida (ante
praevisa merita), na pecaminosidade e na insignificância da humanidade
caída. O fato de que Deus o tivesse escolhido era uma expressão da compaixão e
generosidade divinas, e não de qualquer mérito ou qualidade pessoal que Calvino
pudesse possuir. Sugerir que seu senso de chamado divino reflete sua arrogância
revela uma peculiar falta dé conhecimento a respeito da espiritualidade da
Reforma.
A compreensão a respeito de seu
chamado é o que contém as aparentes tensões em nosso conhecimento sobre a
personalidade de Calvino. Tímido e reservado, ainda assim, ele era capaz de uma
coragem que beirava a intransigência, recusando-se a fazer concessões quando
acreditava que a vontade de Deus estava em jogo. Pronto a ser ridicularizado,
se preciso (embora isto costumasse feri-lo profundamente), Calvino não estava
pronto a permitir que este ridículo fosse transferido dele, como indivíduo, para
a sua causa e ao Deus que ele acreditava servir. Acima de tudo, aparentava
estar convencido de que era apenas um simples instrumento, através do qual Deus
poderia trabalhar; um porta-voz, através do qual Deus poderia falar. Considerava
sua personalidade como um obstáculo potencial a essas ações divinas e, em
resposta, aparentava ter cultivado a modéstia.
Desde o início o leitor deve
estar, portanto, atento às dificuldades existentes em torno de qualquer
reconstituição histórica da carreira e da personalidade de Calvino e também em
relação à natural - e totalmente compreensível - tendência a se adotar uma
atitude antagônica em relação a ele. Adiante, tentaremos fazer uso dos recursos
disponíveis aos historiadores, ao final da Renascença, para desenvolver, do
modo mais plausível que pudermos, um quadro das forças religiosas, sociais,
políticas e intelectuais que modelaram alguns dos contextos em que Calvino
viveu e, posteriormente, transformou. Existem, entretanto, lacunas
significativas em nosso conhecimento. Calvino era um indivíduo
extraordinariamente introspectivo, que optou por reter o material histórico que
teria iluminado as sombras de sua história. Assim, é inevitável que ele seja
retratado como uma figura um tanto quanto pálida, sem vida, um homem cujos mais
íntimos pensamentos, atitudes e ambições aos são totalmente negados.
Insatisfeitos com o esboço monocromático resultante, alguns historiadores
caíram na eterna tentação de expandir os limites da história. Ainda que esta
atitude seja compreensível, seu perigo deve ser prontamente reconhecido: o
perfil retratado pode refletir pressuposições ocultas, por parte de
historiadores tendenciosos, cujas lentes coloridas podem até mesmo nos negar
acesso ao Calvino histórico.
Alister McGrath

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13 outubro, 2010
0 Onde o Pecado Transbordou – João Calvino
- (Rm 5. 20,21) -
Sobreveio a lei para que o
delito sobressaísse. O que a apóstolo afirma aqui depende de
sua observação anterior, ou seja: que o pecado existiu antes que a lei fosse
promulgada. Quando este ponto é estabelecido, então surge, imediatamente, a
pergunta: "Então, com que propósito a lei nos foi dada?" Portanto,
era indispensável que esta dificuldade fosse também resolvida. Contudo, visto
que não tivera oportunidade, naquela ocasião, de apresentar uma digressão mais
extensa, então prorrogou sua consideração para a presente passagem. Ele agora
mostra, suficientemente, que a lei entrou [em cena] a fim de que o pecado
pudesse sobressair. Ele não está aqui a descrever todo o uso e função da lei,
mas trata só daquela parte que servia ao seu presente propósito. A fim de
estabelecer a graça de Deus, ele afirma que era indispensável que a destruição
dos homens fosse-lhes mais nitidamente revelada. Em verdade, os homens já se
achavam naufragados antes mesmo que a lei fosse promulgada; porém, visto que eles
aparentemente sobreviviam, mesmo em sua destruição, achavam-se submersos nas
profundezas, a fim de que seu livramento parecesse ainda mais extraordinário
quando, ao contrário da expectativa humana, emergissem dos dilúvios que os
subvertiam. Não é ilógico concluir que a lei fora em parte promulgada em razão
de que ela pudesse outra vez condenar as mesmas pessoas que uma vez já haviam
sido condenadas. Seremos plenamente justificados em usar todos e quaisquer
meios para trazer os homens, e até mesmo forçá-los pela comprovação de sua
culpabilidade, a ter consciência de sua própria impiedade.
Onde
o pecado transbordou. E bem notório o método geral de interpretar-se
esta passagem desde os tempos de Agostinho. Quando a concupiscência é reprimida
pelos restringimentos da lei, a mesma é intensamente estimulada. Há no homem
inerente tendência de esforçar-se por fazer aquilo que lhe é proibido. Mas
acredito que aqui a referência é simplesmente ao aumento do conhecimento e à
intensificação da obstinada, porquanto o pecado é, pela lei, exposto aos olhos
humanos, de modo que se vêem constantemente compelidos a ter consiciência da
condenação que lhes está reservada. Assim o pecado, que de outra forma seria
por eles completamente desdenhado, toma posse de suas consciências. Agora que a
lei já foi promulgada, e a vontade de Deus, que brutalmente pisoteavam sob a
planta de seus pés, se torna conhecida, aqueles que antes simplesmente
desrespeitavam as fronteiras da justiça, agora chegam ao cúmulo de desdenhar da
autoridade divina. Segue-se disto que o pecado é intensificado pela lei, visto que
a autoridade do Legislador é então menosprezada e sua majestade, degradada.
A
graça se plenificou infinitamente. A graça veio em auxílio do
gênero humano depois que o pecado subjugou a todos, e a todos manteve sob seu
domínio. Paulo, pois, nos ensina que a extensão da graça é ainda mais
admiravelmente revelada, visto ser derramada mui copiosamente à medida que o
pecado pervade tudo, não só para conter a avalanche do pecado, mas também para
que ela o destrua completamente. Aprendemos deste fato que nossa condenação não
nos é exibida pela lei com o propósito de fazer-nos continuar nele, mas com o
fim de familiarizar-nos intimamente com nossa própria miséria, bem como para
guiar-nos a Cristo, o qual nos foi enviado como Médico ao encontro de nossa
enfermidade, como Libertador ao encontro de cativos, como Consolador ao
encontro de aflitos e como Defensor ao encontro de oprimidos [Is 61.1].
Para que, como o pecado reinou para a morte, assim também reinasse a graça
através da justiça. Como o pecado é descrito em termos de aguilhão
da morte, visto que esta não tem poder algum sobre os homens exceto em
decorrência do pecado, assim ele executa seu domínio por meio da morte. E por
isso que se nos diz que ele exerce seu domínio por meio da morte. Na última
cláusula, a ordem das palavras é confusa, porém não involuntariamente. Se Paulo
houvera dito "a fim de que a justiça viesse a reinar por meio de
Cristo", seu contraste teria sido direto. Entretanto, ele não se sentia
satisfeito em comparar os opostos, e então acrescenta a palavra graça, de modo
a imprimir ainda mais profundamente em nossa memória a verdade de que toda a
nossa justiça não tem sua procedência em nossos próprios méritos, e, sim, na
divina munificência. Ele previamente dissera que a morte mesma havia reinado.
Ele agora atribui ao pecado o conceito de reinado. Mas o fim ou efeito do
pecado é a morte. Afirma que ele reinou no passado, não porque cessou de reinar
naqueles que são nascidos somente da carne, senão que distingue entre Adão e
Cristo de tal forma como a designar a cada um o seu próprio tempo. Portanto,
tão logo a graça de Cristo começa a prevalecer nos indivíduos, o reinado do
pecado e da morte também cessa.

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